Às vezes o tempo voa, outras vezes parece que pára. Porquê?

Neurocientistas do Centro Champalimaud identificaram, em ratinhos, os circuitos neurais que controlam a percepção do tempo. Publicado na Science, o trabalho ajuda-nos a conhecer melhor neurónios envolvidos na doença de Parkinson, em comportamentos de toxicodependência e no défice de atenção.

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Gil Costa

“Há aquele cliché dos jovens amantes que ficam a noite toda acordados a falar sem sentir o tempo passar.” E alguns de nós também já terão passado pela experiência de esperar por notícias de alguém ferido num acidente, momentos de angústia em que uma hora pode parecer uma semana. Os exemplos são de Joe Paton, neurocientista do Centro Champalimaud, em Lisboa, e vem a propósito do artigo que assina esta sexta-feira na revista Science. A sua equipa estudou a percepção do tempo no cérebro de ratinhos e identificou os circuitos neurais que controlam esta experiência.

Os investigadores da Champalimaud partiram para este trabalho com um alvo definido: vigiar a actividade de um tipo de neurónios que liberta dopamina e que faz parte de uma zona do cérebro (a “porção compacta da substância negra”) que já se sabia que estava envolvida no processamento temporal. “Basta submeter um rato a um estímulo assustador para os seus níveis de dopamina caírem em flecha”, diz Joe Paton no comunicado sobre o estudo, no qual se acrescenta ainda que “nos seres humanos, a destruição da substância negra provoca a doença de Parkinson, que também é acompanhada de deficiências da percepção do tempo”.

Assim, escolhido o centro de todas as atenções, era preciso fazer as experiências com os animais. Os ratinhos foram treinados a desempenhar uma tarefa que tinha a ver com o tempo. “Treinámos uma série de ratinhos para conseguirem decidir se a duração do intervalo entre dois sons era maior ou menor do que 1,5 segundos” explica Paton no comunicado. “E após meses de treino, tornaram-se exímios na tarefa.” Se escolhessem uma estimativa curta, os animais colocavam o focinho na porta da direita e se a escolha fosse de uma estimativa longa voltavam-se para a porta da esquerda. E, quando acertavam, recebiam uma recompensa.

Depois, os neurocientistas mediram os sinais que denunciam a actividade dos neurónios dopaminérgicos na região do cérebro em estudo. Para esta tarefa foram usadas técnicas genéticas que tornavam os neurónios fluorescentes quando estavam activos. Foi assim que registaram um aumento da actividade neural no início de cada sinal sonoro e que perceberam que a luz emitida nem sempre tinha a mesma intensidade. “O que observámos foi que quanto maior era o aumento de actividade neuronal [aquando do primeiro e do segundo sinais sonoros], mais os animais tendiam a subestimar a duração do intervalo”, diz Sofia Soares, outra das autoras do estudo. “E quanto menor era o aumento, mais eles tendiam a sobrestimar essa duração.”

Para se certificarem que existia uma relação de causa-efeito entre a actividade neural e a forma como o cérebro dos ratinhos avaliava a duração do tempo foi necessária mais uma ronda de experiências. “Os neurónios pareciam reflectir informação acerca da estimativa da duração feita pelos animais. Mas estariam na realidade a controlar o seu sentido do tempo?”, questiona Joe Paton. 

Desta vez, os neurocientistas partiram para a manipulação dos neurónios, silenciando-os ou estimulando-os através de uma técnica (optogenética) que usa a luz. Mostraram então que quando estes neurónios eram estimulados os ratinhos subestimavam a duração e que quando eram silenciados a sobrestimavam. Ou seja, a actividade dos neurónios é capaz de alterar a forma como os animais avaliam a passagem do tempo.

E nos humanos? Este conhecimento poderá ser importante para problemas como o défice de atenção ou a toxicodependência ou para doenças neurodegenerativas como a Parkinson que também estão associados a estes neurónios? Os neurocientistas apenas arriscam responder um cauteloso “é provável”. Para já, adianta Sofia Soares ao PÚBLICO, o próximo passo da investigação será “perceber melhor o papel deste neurónios, que não estão isolados e enviam informação para regiões diferentes do cérebro, em todo o circuito”.

Este trabalho, nota Joe Paton, foi feito com ratinhos e como estes animais não são capazes de dizer o que sentem não se pode falar na sua percepção, mas apenas numa interpretação dos cientistas sobre o que estão a ver. Deste modo, qualquer extrapolação para os seres humanos é pura especulação, admite o neurocientista. O que não quer dizer que não se possa fazer. Especulando, frisa Sofia Soares, podemos afirmar que uma pessoa apaixonada daria um perfeito exemplo para este estudo exibindo neurónios muito activos quando se encontra com a pessoa que gosta quando o tempo voa e pouca actividade neuronal quando espera por ela - e os minutos parecem horas.

Assim, e seguindo as pistas deixadas por este trabalho, se leu este texto até ao fim e lhe pareceu que o tempo passou rapidamente é provável que estes neurónios tenham estado activos ao ponto de encolher o tempo no fundo do seu cérebro. Se, pelo contrário, o tempo passou devagar e este artigo parecia nunca mais chegar ao fim, não só estes neurónios estiveram pouco activos como o mais provável é já não estar a ler estas palavras e ter optado por fazer outra coisa qualquer. 

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