Um obrigado a Jorge Sampaio

Não por ter escrito no PÚBLICO, mas por ter escrito este alerta. Não é comum ouvir um político português fazê-lo tão clara e sustentadamente. Era mesmo bom que o ouvissem.

Desconfiança. Inquietação. Incerteza. Abismo. Precipício. Clivagem. Divisões. O ex-Presidente da República, Jorge Sampaio, assina nesta segunda-feira no PÚBLICO um artigo ímpar. E digo ímpar em várias dimensões: pelo cepticismo que não teme em mostrar, pela coragem de sair do conforto de uma merecida reforma política, pela profundidade que nos transmite neste momento da história que nos calhou em destino.

Ao longo de mais de 20 mil caracteres, o ex-Alto Comissário para a Aliança das Civilizações diz-nos, sem precisarmos de tradução, que vê a nossa Europa numa muito difícil encruzilhada, densificada pela eleição de Donald Trump. Que pressente um problema muito grave em 2017, com as eleições em França e na Alemanha. Que o próprio projecto europeu entrou num "ponto de não retorno" com o referendo que abriu a porta de saída do Reino Unido — e que se arrisca a comemorar o Tratado de Roma como "uma cerimónia fúnebre". Acrescenta a tudo isto que a crise das dívidas soberanas não desapareceu, só está suspensa pelo BCE — e que nada faz prever que a situação melhore, antes que piore.

Mesmo no que respeita a Portugal, nada descansa o nosso ex-Presidente. Sampaio não vê que os próximos anos tragam boas notícias. Teme as consequências do fim do tradicional consenso europeu. Anota as "divisões que separam europeístas e atlantistas". E nem hesita em apontar o dedo aos "nacionalistas" anti-euro — que é uma maneira simples, mas não simplista, como posiciona o PCP e BE. O artigo termina com um pedido, directamente dirigido aos políticos no activo: tudo o que está a mudar no mundo exige que parem para pensar. E que se preparem para o que aí vem.

Por dizer tudo isto, por dizê-lo de forma tão aberta quanto sólida, num momento realmente decisivo das nossas vidas colectivas (aqui, no Ocidente), Jorge Sampaio dá um exemplo cívico de enorme relevância. Sobretudo em Portugal, um país onde é muito difícil ver os políticos a sair do politicamente correcto e onde nos habituámos a olhar para os senadores como membros silenciosos de um Conselho de Estado meramente simbólico, ler um ex-chefe de Estado a sair do conforto de uma posição institucional, agitando as águas mornas do seu próprio campo político, é razão para mantermos esperança. Pelo menos a esperança de que os políticos portugueses saiam do sonambulismo e comecem a pensar em algo mais do que no dia seguinte.

Permitam-me, então, esta palavra a Jorge Sampaio: Obrigado. Não por ter escrito no PÚBLICO, mas por ter escrito este alerta. Não é comum ouvir um político português fazê-lo tão clara e sustentadamente. Era mesmo bom que desta vez o ouvissem.

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