No Avante!, não há “uma cara num dia e outra no seguinte” – o acordo é para manter

Vários militantes e simpatizantes do PCP, de diferentes idades, estão satisfeitos com o acordo para viabilizar o Governo. Porque afastou a direita, e mudou as políticas. Esperam e acreditam que António Costa não recuará no rumo.

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Cristina Gonçalves, na Festa do Avante! Rui Gaudêncio
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Francisco Cruz e Maria Silva, na Festa do Avante! Rui Gaudêncio
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Fernando Santos, na Festa do Avante! Rui Gaudêncio
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Rui Gaudêncio
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Rui Gaudêncio

Nos 40 anos da Festa do Avante!, a pergunta aos militantes e simpatizantes que estão na Quinta da Atalaia, no Seixal, é incontornável: o que pensam do acordo do PCP com o PS para viabilizar, com outros partidos da esquerda, o actual Governo? De uma forma geral, as respostas são favoráveis ao entendimento, que afastou a direita do poder. Quem está na festa da Atalaia apoia a solução, e acredita que os socialistas de António Costa não se desviarão do rumo da reposição de salários, rendimentos e direitos.

A conversa entre Francisco Cruz, que faz 73 anos na segunda-feira, e a mulher, Maria Silva, 62, é ilustrativa deste sentimento. Cruz, militante desde 1974, apresenta-se como Chico Cruz. Mas a mulher, militante desde 1980, corrige-o: “Chico? Francisco.” Estão casados há 42 anos, vivem em Almada e sempre participaram na festa do Avante!. Ajudam a construí-la, trabalham nela. “A minha filha telefonou-me. Esteve a ver uma reportagem na RTP Memória em que me entrevistaram em 1998”, conta Maria Silva com orgulho.

Sobre o acordo, pensam o mesmo: ainda bem que foi feito, afastou a direita do Governo, e mudou o rumo das políticas no país. Mais: os dois estão confiantes que o PS não recuará e manterá a inversão do caminho traçado pelas políticas de austeridade. Mas não deixam de avisar: “Estamos a apoiar, enquanto eles se portarem bem. Se o Orçamento do Estado for favorável a quem trabalha, com certeza que se vai manter o apoio ao PS. Nós não temos uma cara num dia e outra no dia seguinte”, diz Francisco Cruz. Maria Silva pensa o mesmo, que “enquanto o PS fizer uma política patriótica e de esquerda, a favor dos trabalhadores, se não houver uma mudança de rumo”, o acordo é para manter.

As palavras do casal reproduzem as dos cartazes e faixas espalhados pela Quinta da Atalaia, nos quais se lê: “Política patriótica e de esquerda. Mais força ao PCP”; “Mais direitos, mais futuro, não à precariedade.” Até a precariedade que, embora continue a assustar os jovens, parece agora menos ameaçadora, por causa da nova maioria parlamentar de esquerda e dos acordos assumidos para viabilizar o Governo.

É o que dizem os primos Jéssica Dias e Renato Gomes, ambos com 20 anos, do Porto, os dois acampados no recinto. Nenhum deles é militante, são simpatizantes do partido. “Comecei a vir à festa há seis anos, o meu pai é que é militante, já vem à festa há muito tempo”, diz Jéssica que concorreu para o curso superior de Enfermagem no Porto.

Sobre o acordo, a jovem defende que “vai trazer novas melhorias e abrir novas possibilidades e portas”. É nisso que acredita. O primo, embora desempregado há cerca de dois anos, também crê. Renato, que fez um curso profissional de multimédia, continua a enviar currículos para empresas, mas até agora, não conseguiu emprego. Mas está satisfeito com o acordo feito entre o PCP e o PS, assinado em 10 de Novembro do ano passado. “Vai defender mais os jovens e dar mais estabilidade no trabalho”, diz Renato Gomes, na Atalaia pela terceira vez.

Festa sempre “diferente”

Festa que, garante quem a frequenta, nunca é igual: “A festa do Avante! é diferente todos os anos. Os novos jovens que entram, que participam na construção imprimem sempre novidades. Há amigos que vêm pela primeira vez e que dão mais um bocadinho à festa”, diz Cristina Gonçalves, 56 anos, técnica de informática, residente em Lisboa e militante desde 1976, ainda com tinta nas pernas por ter andado a ajudar a montar o evento. 

Na mão segura uma bandeira do PCP. Está na Quinta da Atalaia com os filhos, um com 16 anos, ainda a estudar; outra com 31, que fez o 2.º ano de Jornalismo, já emigrou, e está desempregada. “No 25 de Abril, tinha 14 anos. Saí para a rua e nunca mais de lá saí. Saí para lutar pelos direitos que os meus pais tinham conquistado com a revolução, tinha 14 anos quando entrou manteiga pela primeira vez em minha casa”, recorda Cristina Gonçalves. “Continuo a apoiar as decisões do meu partido. Enquanto conseguirmos acordos para melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores, cá estaremos. Caso contrário, estaremos na rua como se sempre estivemos e onde estamos”, diz sobre o apoio do PCP ao Governo de Costa.

Mais ambíguo sobre o actual estado da política é Fernando Santos. Sublinha que o acordo é um assunto “complexo”, tem algumas dúvidas sobre as “condições reais e políticas” para que o PCP apoie o Governo, mas dá a entender que é a solução que tem de ser. Fernando Santos tem 90 anos, mas parece muito mais novo. Por isso chamam-lhe Quim boy. Quem vai passando, cumprimenta-o: “Então, Quim boy?”

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Fernando Santos, militante comunista Rui Gaudêncio

Fernando Santos - que teve, entre outros ofícios, o de caldeireiro e de soldador em Portugal e na África do Sul - veste calças de ganga, t-shirt vermelha ao ombro e boné com a foice e o martelo na cabeça. Cabelo branco, bigode bem aparado, e umas grandes sobrancelhas como as que tinha o “camarada” Álvaro Cunhal, que recorda com tanto carinho que quase chora: “Sou militante e de que maneira. Sei lá há quanto tempo, antes de o PCP ser legal já trabalhava clandestinamente, no tempo do nosso camarada Álvaro. Falei muitas vezes com ele”, diz, com a voz já embargada.

Quando a pergunta é sobre o acordo e o apoio ao Governo, Fernando Santos dá algumas voltas na conversa, diz que a “política está em guerra”, e acaba sempre a falar “no seu partido”. “O partido farta-se de trabalhar para o povo e para os trabalhadores. Quem luta pelos trabalhadores e pelo povo em Portugal, é ou não o nosso partido?” E lá volta o nó na garganta a dar sinais na voz embargada.

No recinto, a festa continua. Crianças agitam bandeiras vermelhas do PCP. Há gente de todas as idades. Os cartazes com os slogans comunistas: “Basta de chantagem e submissão” ou “Emprego - Direitos - Produção - Soberania”. As músicas misturam-se, cortadas de quando em vez pela voz que, aos altifalantes, anuncia o programa. A noite já está a chegar, as luzes verdes, azuis, brancas, amarelas e vermelhas da roda gigante distinguem-se ao longe. Há pessoas sentadas na relva, outras em volta das mesas a comer petiscos das várias regiões do país. E sempre as faixas espalhadas pela Quinta da Atalaia: “O sonho tem partido. Dê mais força ao PCP”.

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