O perfume série B do Comboio de Sal e Açúcar de Licínio Azevedo

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Ainda em Dezembro a Cinemateca Portuguesa homenageou o brasileiro radicado em Moçambique Licínio Azevedo com uma retrospectiva integral, e eis que o seu novo filme, Comboio de Sal e Açúcar, merece honras de estreia mundial no ecrã gigante da Piazza Grande durante o Festival de Locarno para uma das maiores plateias ao ar livre da Europa. Não é casual, Comboio de Sal e Açúcar foi laureado em 2014 no Open Doors, o laboratório de apoio à produção do evento, e a sua apresentação nestas sessões nobres da noite corresponde ao reconhecimento por parte da organização do seu potencial junto do grande público. Que o tem e o merece, pelo menos durante três quartos da sua duração: adaptando o seu próprio romance de 2000, Azevedo inscreve a história recente de Moçambique numa lógica de género, misto de aventura de guerra e western, sobre a viagem acidentada de um comboio que, em plena guerra civil, faz irregularmente uma rota perigosa entre Nampula e Cuamba.

As personagens são lugares-comuns – o oficial bom e o oficial mau, a enfermeira que viaja a bordo, a mulher grávida mesmo à beira de dar a luz, o casal com um bebé… –, mas isso é parte da graça do filme, permitindo “universalizar” esta história ancorada na realidade violenta da guerra em Moçambique, evitar boas intenções europeias e, fazendo o melhor que pode de um orçamento limitado, conferir-lhe um aroma simpático de série B. É um franquíssimo passo em frente para Azevedo depois da “ingenuidade” (talvez procurada) do anterior Virgem Margarida (2012)  mas é também um filme que tropeça e cai mesmo à beira da meta, com um “último acto” demasiado apressado e insuficientemente trabalhado que deita por terra o interessante trabalho de construção narrativa e de personagens até aí desenvolvido. É, ainda assim, um tropeção que não macula a sinceridade desenvolta nem a honestidade assumida destes 90 minutos; Comboio de Sal e Açúcar não é um grande filme, mas é trabalho limpo, escorreito, digno, que sabe evitar o exotismo gratuito e a denúncia sisuda da maioria dos filmes africanos. 

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