Alguns donos de carros queimados no Andanças não sabem o que fazer às "carcaças"

Mais de cem proprietários vão receber indemnizações no valor global de um milhão de euros por terem seguro contra incêndios. A decisão sobre os outros fica ao critério das seguradoras.

Foto
O incêndio da passada semana no Andanças destruiu ou danificou um total de 458 veículos Enric Vives-Rubio (arquivo)

Se, ao andar por aí, eventualmente der de caras com um carro completamente calcinado estacionado em frente a um prédio, não se espante. Pode ser um dos 458 veículos que ficaram destruídos ou danificados no incêndio do passado dia 3 no parque de estacionamento do festival Andanças, em Castelo de Vide. A maior parte das “carcaças” dos veículos destruídos (344) já tinha nesta terça-feira à tarde sido entregue aos proprietários ou às companhias de seguros, segundo adiantou ao PÚBLICO o tenente-coronel José Moisés, oficial de relações públicas do Comando Territorial de Portalegre da GNR, mas o ineditismo de toda a situação e a confusão que se gerou entretanto está a fazer com que alguns dos donos das viaturas se interroguem sobre se devem ou não guardar o que resta dos seus veículos.

Para a associação de defesa dos consumidores Deco, é claro que não faz sentido guardar as viaturas destruídas, que deverão ser enviadas pelas seguradoras ou pelos proprietários para centros de abate. O salvado só é entregue ao proprietário depois de o levantamento ter sido feito e emitida uma declaração das autoridades, pelo que, se a companhia de seguros não quiser assumir a responsabilidade, deve ser removido, accionando o proprietário a assistência em viagem para solicitar o reboque, explica a jurista Rita Rodrigues, da Deco. "Não vemos qualquer justificação para guardar o salvado, porque já está finalizada a averiguação de danos, efectuada a peritagem pelas seguradoras e as polícias e recolhida toda a prova", defende.

O veículo (ou o que resta dele) pode ser rebocado de imediato para uma operadora de gestão de resíduos para abate mas, se eventualmente a seguradora ainda quiser fazer uma peritagem, pode ser levado para outro local para esse efeito, esclareceu o tenente-coronel José Moisés. "Guardar o salvado não terá interesse, até porque, se o proprietário não cancelar a matrícula, terá de pagar impostos", pondera o tenente-coronel, ao mesmo tempo que frisa que, à cautela, "o mais indicado é os proprietários articularem-se com a sua seguradora".

A posição da Associação Portuguesa de Seguradores (APS) sobre esta matéria é dúbia. Inquirida sobre o destino a dar às “carcaças” dos automóveis que arderam no Andanças, a APS respondeu ao PÚBLICO “que não tem uma resposta precisa, já que poderá depender da estratégia de cada seguradora, se for uma questão de perícia pela seguradora”. Acrescenta a associação que, se se tratar de “uma questão ligada com as autoridades, então nesse caso a APS não pode mesmo pronunciar-se, terão de ser as autoridades devidas a fazê-lo”.

Um milhão para uma centena

O que não levantou dúvidas foi a questão da indemnização dos proprietários dos carros com seguros contra incêndios. A APS adiantou, em comunicado, que cerca de um quarto dos veículos que arderam em Castelo de Vide têm cobertura de incêndio do seguro de danos próprios e, por isso, os respectivos proprietários vão receber um total ligeiramente superior a um milhão de euros de indemnizações. São mais de uma centena de viaturas, especifica a APS neste que foi o primeiro levantamento dos danos sofridos pelos proprietários das viaturas destruídas pelo fogo que têm seguro com inclusão da cobertura de incêndio.

Uma das companhias, a Liberty Seguros, anunciou entretanto que decidiu, se tal se revelar necessário, assumir “todos os sinistros que tenham afectado clientes seus”. A seguradora ressalva, porém, que no caso de pagar um sinistro não coberto pela apólice, nomeadamente por só cobrir danos a terceiros, se reserva o direito a ser posteriormente reembolsada dos valores pagos de quem venha a apurar-se como culpado.

"A Liberty Seguros assumirá a reparação dos danos dos seus clientes mesmo que estes apenas tenham contratado apólices de responsabilidade civil contra danos a terceiros, evitando o longo tempo de espera característico destes complexos processos, situação que ilibaria a Liberty Seguros de qualquer responsabilidade num incidente como o que ocorreu no festival Andanças", afirma esta seguradora no comunicado.

Uma atitude que, pelo menos até esta terça-feira à tarde, não foi replicada por outras companhias. A Tranquilidade informou apenas que indemnizou “em menos de uma semana” os seus clientes com cobertura de incêndio, que receberam, "em média, 12 mil euros”.

A decisão da Liberty mereceu o aplauso da Deco, que desde o início apelou às companhias de seguros envolvidas que se reunissem e dividissem entre elas a responsabilidade pela reparação dos danos das viaturas, frisa a jurista Rita Rodrigues, que lembra que este tipo de solução foi a adoptada há alguns anos depois de um choque em cadeia numa auto-estrada ter danificado cerca de 70 veículos. “Uma situação excepcional deve ter uma resposta excepcional”, defende.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários