Divina comédia

Há, em cada civilização, acontecimentos que podem ser considerados como rituais: momentos periódicos que juntam pessoas agitadas em torno de um tema comum. A época de exames pode ser encarada como um exemplo desses ritos civilizacionais. É um ritual que implica muita gente e tem vários círculos, onde acontecem coisas diferentes.

O primeiro círculo apresenta-nos a opinião pública como protagonista da acção. Esta entidade, excitada pelo mediatismo concedido aos exames, retoma os debates sobre a existência de provas nacionais uniformes, a dificuldade dos exames que se vão realizando, ou até que tipo de preparação faz um aluno antes das provas. Neste espaço do ritual, juntam-se as pessoas que participam no exame (aqueles que o concebem, os que o concretizam, etc.) àquelas que nada têm a ver com os exames, mas para quem este acontecimento tem significado (os que são contra os exames, os parentes dos que fazem exames, entre outros).

No segundo círculo estão os professores. Vivem intensamente este período, independentemente das perspectivas que tenham em relação às provas. Têm o exame como se tem uma doença crónica. Alguns sofrem crises de preocupação frequentes neste período de tempo: consternados por não terem dado uma tal matéria, por desejarem que alguém se prepare melhor, por esperarem que não haja discrepâncias entre as notas da escola (internas) e as do exame (externas).

Apenas os alunos que vão a exame participam no terceiro e último círculo deste rito. Aqui vêem-se estudantes juntos em parques ou cafés, de livros e cadernos abertos. Alguns, atarefados e de aspecto tenso, fazem aumentar o consumo de café, outros estudam enquanto apreciam o sol, ou quiçá a matéria que estudam. Mesmo aos alunos que não passam os dias em esquemas, fichas ou resumos acontece discutir gramática, biologia ou a formulação de um silogismo aristotélico. Nos momentos de prova, sentimos todos uma grande compaixão uns pelos outros, participamos na cerimónia solene que são aquelas duas horas e meia. No pós-exame, há um grande rebuliço em volta do enunciado: o momento de reunião e discussão crucial em que nos confrontamos com os nossos erros irreversíveis.

É curioso notar este fenómeno ano após ano. De facto, é um ritual: mudam os alunos, mas cada círculo mantém a sua génese: o primeiro continuará nos seus debates, o segundo, preocupado, o terceiro, em preparações. Todos continuarão, periodicamente, agitados em torno de um tema em comum.

Aluno do 12.º ano, Escola Secundária de Camões, Lisboa

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