Governo quer transformar Parpública numa consultora das empresas do Estado

Serviços de assessoria hoje prestados por privados, como os escritórios de advogados, vão passar a ser contratados à holding, que seguirá um novo rumo agora que a vaga de privatizações a “esvaziou”.

Foto
A privatização dos CTT foi feita em bolsa pelo anterior Governo e foi um dos activos que deixou a esfera da holding Daniel Rocha

A troika chegou a sentenciá-la à morte, propondo que fosse extinta assim que o amplo programa de privatizações do anterior Governo PSD/CDS chegasse a bom porto. Mas a ideia dos credores internacionais nunca vingou. Agora, o actual executivo quer dar-lhe um novo rumo, que fará da holding estatal uma verdadeira consultora das empresas públicas. Passará, por exemplo, a prestar serviços de assessoria que hoje são contratados a privados e terá um papel mais activo na gestão do património imobiliário do Estado. A nova estratégia caberá à próxima administração do grupo, que o ministério das Finanças irá nomear em breve.

Questionado pelo PÚBLICO, o secretário de Estado Adjunto do Tesouro e das Finanças explicou que, apesar da actual carteira de participações da Parpública ser bem menos expressiva do que era antes do programa de ajustamento financeiro, “não parece fazer qualquer sentido que desapareça na medida em que não se extinguiu a sua missão”. Ricardo Mourinho Félix frisou que a holding “deve manter-se e assegurar um conjunto de funções que já lhe estão cometidas, mas que têm tido um papel limitado”.

O governante refere-se, em particular, ao reforço do papel que desempenha “na reestruturação de empresas e na prestação de serviços de apoio técnico, quer às empresas do sector empresarial do Estado, quer ao Ministério das Finanças enquanto titular da função accionista”. Mais concretamente, o plano passa por alargar a gestão que faz actualmente dos seus activos a todas as empresas públicas em que a tutela é do Governo através da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, o que passará por prestar serviços que hoje são contratados a privados.

“Os serviços a prestar devem ter como objectivo a racionalização dos processos de gestão e a identificação de sinergias que permitam o aumento da eficiência na gestão das empresas. O aumento da eficiência do sector empresarial do Estado é decisivo para a prossecução do processo de consolidação orçamental estrutural, como aliás é reconhecido pela Comissão Europeia”, começou por afirmar Mourinho Félix. O secretário de Estado considera que “a Parpública deve ser capaz de chamar a si um conjunto de serviços técnicos que substitua muita da contratação feita pelas empresas públicas junto de prestadores de serviços privados com custos elevados para o Estado”.

Esses serviços que passará a prestar a todas as empresas do Estado vão incluir, “desde logo, as áreas de contencioso jurídico e de direito da concorrência, que são asseguradas por escritórios de advogados” e que o governante quer agora que sejam “internalizadas”. Isto porque “no âmbito do sector empresarial do Estado existem a todo o momento processos em curso neste âmbito” e “não raras vezes as contrapartes do Estado são assessoradas por escritórios que são consultores do Estado noutros processos, o que levanta questões de conflitos de interesse que são difíceis de acautelar”.

Uma “nova Parpública”

Já no Programa Nacional de Reformas, apresentado em meados de Abril, o Governo tinha levantado um pouco o véu à necessidade de rever a estratégia para a holding, chegando a referir-se a ela como a “nova Parpública”. Mas, no documento, especificava-se apenas de forma vaga que iria concentrar os seus recursos em três áreas: a gestão e alienação de participações não estratégicas; a prestação de serviços de consultoria de gestão a empresas em reestruturação e liquidação; e a gestão, alienação, aluguer e concessão de imóveis na posse do Estado.

É, precisamente, neste último ponto que reside um outro desafio. Apesar de o anterior Governo ter avançado com uma reestruturação do negócio de imobiliário do grupo, o que implicou a incorporação da Sagestamo e a fusão da Estamo, Lazer e Floresta e Consest, o actual executivo entende que é preciso ir mais além. O secretário de Estado Adjunto do Tesouro e Finanças adiantou que esta componente “deverá tornar-se mais activa, não se cingindo à mera alienação de imóveis e à gestão de um conjunto de contratos de arrendamento do Estado”, com o objectivo de “pôr o património público ao serviço dos cidadãos e do interesse público”.

Mourinho Félix concorda com o plano de reestruturação levado a cabo pelo executivo de Passos Coelho. “Tinha um conjunto de objectivos que partilhamos e que têm a ver com a simplificação da estrutura da Parpública e com a exploração de sinergias organizacionais”. No entanto, entende que “assentava no pressuposto de que a Parpública se tornaria em larga medida ela própria numa holding imobiliária” e o projecto que agora existe “vai além disso”.

Mais concretamente, pretende-se repensar de que forma a holding hoje em dia “cumpre os objectivos de valorização do património imobiliário do Estado” e dar-lhe um papel central na “reabilitação e na criação dos instrumentos financeiros e de gestão necessários”. O governante acrescentou “este será um projecto muito importante na dinamização da reabilitação de património edificado detido por entidades públicas, com vista à sua valorização, em particular no que diz respeito àquele com fins residenciais, que permitirá estimular o mercado de arrendamento dos centros urbanos, através da disponibilização de rendas acessíveis”.

À espera da nova gestão

A estratégia para a “nova” Parpública será da responsabilidade já da próxima administração do grupo, que o Governo conta nomear em breve, depois de o anterior presidente, Pedro Ferreira Pinto, ter deixado o cargo a 15 de Abril. O secretário de Estado referiu que caberá a essa equipa “identificar as necessidades de recursos humanos e financeiros e apresentar um plano consistente, coerente e compatível com o esforço de consolidação orçamental estrutural em curso”, mas a intenção é que esta reestruturação seja feita com “o capital humano existente na empresa e nas suas subsidiárias”.

“Não quer isto dizer que não haja necessidades de recursos humanos ou financeiros que devam ser acauteladas. No entanto, estas necessidades devem gerar ganhos de eficiência num prazo relativamente curto e por esta via compensar os custos adicionais que resultem do processo de reorientação”, referiu, acrescentando que, para já, “essa avaliação não está feita e é prematuro falar em quaisquer reforços de recursos humanos ou financeiros”. Mourinho Félix disse ainda que “é fundamental que a administração defina um calendário de análise e de implementação, com metas quantificadas, que permita o acompanhamento do processo”.

Com o programa de privatizações, a Parpública perdeu, entre outros, a gestora aeroportuária ANA, os CTT e a maioria da TAP (numa venda entretanto alterada com 50% do capital a regressar ao Estado, e desfez-se de participações que detinha em empresas já privadas, como a EDP. Actualmente, a carteira do grupo tem como principais activos a Águas de Portugal, a Companhia das Lezírias ou a Imprensa Nacional Casa da Moeda. No ano passado, a holding registou lucros de 595 milhões de euros, suportados em grande parte pela alienação da TAP, o que levou à eliminação de uma provisão superior a 500 milhões de euros que estava contabilizada para fazer face aos sucessivos prejuízos da companhia de aviação. Em 2015, tinha 41 trabalhadores, dos quais oito pertencem a quadros de direcção. Antes de o programa de privatizações avançar, em 2011, a Parpública reportava activos totais no valor de 19.485 milhões de euros. O valor caiu significativamente em cinco anos: quase 26% para 14.430 milhões.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários