O fim de um ciclo, o início de outro

A mais concorrida edição de sempre é também um momento de viragem para o Atlantic Music Expo: o novo Governo quer manter o evento, mas fora do palco.

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Esta terá sido a edição mais concorrida de sempre do AME José Sérgio

Com a mudança de Governo em Cabo Verde – a tomada de posse é já na próxima quinta-feira, dia 22 – e a saída de Mário Lúcio, o ministro-músico que fez do Atlantic Music Expo (AME) um acontecimento internacional de magnitude invulgar para um país periférico como Cabo Verde, um ciclo parece estar a chegar ao fim. O seu substituto no cargo, Abrãao Vicente (de resto casado com Lura, uma das mais internacionais cantoras cabo-verdianas), aproveitou a abertura daquela que terá sido a edição mais concorrida de sempre do AME para dizer aos jornalistas locais que “o Ministério da Cultura não pode ficar alavancado num evento anual” e que é preciso “alargar o âmbito do Ministério muito para além da música”. Ainda assim, garantiu, vai haver AME em 2017 – mas sem “um ministro da Cultura a falar no palco”.

De momento, ainda parece difícil imaginar o AME sem o fato branco de Mário Lúcio na primeira fila de cada mesa-redonda e de cada showcase (ainda esta quarta-feira foi o primeiro a levantar-se e a gritar “muito bom!” no concerto de Danae Estrela). É cedo para perceber se o novo Governo deixará cair a tese de que a música é o petróleo cabo-verdiano (para a exportar, Mário Lúcio criou durante o seu mandato o Bureau Export – Música e Bens Culturais), e de que não há outro futuro viável para um arquipélago com um problema crónico de desemprego, mas os indicadores provisórios da quarta edição, que terminou esta madrugada, sugerem que o AME encontrou de facto um lugar na agenda da indústria musical (e de publicações tão pouco assíduas em Cabo Verde como o New York Times, a BBC, o El País ou a The Economist). “O número de participantes inscritos ultrapassa os 400 e ainda não fechámos as contas”, confirmava ao PÚBLICO perto do final da tarde desta quinta-feira a directora do Bureau Export, Ana Maia. Sem um estudo oficial que o possa documentar, diz que os “números internos” de que o Ministério da Cultura dispõe demonstram o “impacto significativo” do AME, tanto ao nível da criação de empregos directos e indirectos como do volume de negócios, beneficiando uma cadeia que vai do pequeno restaurante familiar à transportadora aérea nacional.

Mais repleto do que em edições anteriores, o Palácio da Cultura Ildo Lobo foi várias vezes acanhado de mais para algumas sessões. Mas a proximidade que um mercado com a escala do AME e uma capital com a escala da Cidade da Praia permitem é, para um dos parceiros da organização do evento, o empresário Djô da Silva, a sua principal vantagem competitiva: “Este é um ambiente propício para fazer negócios de cultura: estão aqui os agentes importantes que é possível encontrar noutros mercados, mas com descontracção e tempo para dar atenção aos artistas e aos produtores.”

Sem desprimor para os números, Christine Semba, a representante da Womex que produz o AME em parceria com o Governo e com a Harmonia de Djô da Silva, gostaria que se avaliasse o que aconteceu nestes anos não apenas do ponto de vista quantitativo. “O AME tem um enorme impacto na visibilidade de Cabo Verde e na estruturação do sector da música, que representa 25 mil postos de trabalho num país com apenas 500 mil habitantes”, sublinha ao PÚBLICO, garantindo que uma vez mais a capacidade turística ficou aquém da procura (um pesadelo para quem tem de encontrar um lugar no avião e uma cama de hotel para os convidados internacionais) e que até a participação dos agentes locais parece conquistada. “Incomodava-me nos primeiros anos ver tão poucos cabo-verdianos nas conferências; desta vez, houve filas de meia hora para os encontros one-to-one que organizamos e sinto finalmente que estamos mesmo a dar um contributo positivo para a capacitação dos músicos locais”, diz em defesa de um evento que talvez tivesse tudo para dar errado. Parecia uma “loucura no início”, admite, e “continua a sê-lo” – mas “é uma loucura que funciona”.

O PÚBLICO viajou a convite da Tumbao

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