Palavras de ordem nos uniformes motivam novos processos contra detidos angolanos

“À falta de factos que possam sustentar a acusação e a longa prisão, acho que se começam a inventar crimes”, afirma advogado de defesa. Nos primeiros três dias do julgamento foram ouvidos apenas dois dos 17 arguidos.

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Nas costas dos uniformes prisionais foram escritas palavras de ordem, o que motiva acusação por danos a propriedade do Estado Herculano Coroado/Reuters

Cinco dos 15 activistas angolanos que estão ser julgados em Luanda pela acusação de rebelião e atentado contra o Presidente, José Eduardo dos Santos, são agora alvo de processos-crime por terem surgido em tribunal com palavras de ordem escritas nos uniformes prisionais – disse esta quarta-feira ao PÚBLICO um dos advogados de defesa.

Fotos da primeira sessão do julgamento mostram inscrições nas roupas de alguns. “Nenhuma ditadura impedirá o avanço de uma sociedade para sempre”, lia-se, por exemplo, entre outras frases, nas costas de um. Nas de outro, por baixo da palavra “Recluso”, podia ler-se: “do Ze Dú”, uma referência a José Eduardo dos Santos.  

Os novos processos são justificados por “danos em propriedade do Estado” e são uma iniciativa da procuradora do caso que começou a ser julgado no início da semana no Tribunal Provincial de Luanda, disse o advogado Luís Nascimento. “À falta de factos que possam sustentar a acusação e a longa prisão, acho que se começam a inventar crimes”, afirmou.

Um vídeo que não fazia parte do processo, com o qual o arguido Manuel Chivonde Nito Alves foi confrontado na terça-feira, reforça a opinião do advogado. Trata-se de uma pequena entrevista de menos de três minutos que o activista deu em Maio, numa iniciativa sobre direitos humanos, no Brasil. “É um vídeo que o próprio juiz diz ter encontrado e diz considerar um facto notório”, afirmou Luís Nascimento, estranhando que tenha sido o juiz a juntar esse dado processo.

No vídeo, disponível no You Tube, Nito Alves, o mais jovem dos arguidos, 19 anos, refere-se a José Eduardo dos Santos como “bandido, meliante”.

Nos três primeiros dias do julgamento foram ouvidos apenas dois arguidos – Nito Alves e Hitler Jessy Tshikonde, 25 anos. “Com este ritmo somos capazes de demorar um mês”, afirma o advogado da equipa de defesa de 12 dos 15 detidos, entre eles Luaty Beirão, que esteve 36 dias em greve de fome. Para além dos detidos há duas acusadas em liberdade.

Boa parte das perguntas feitas aos arguidos já ouvidos incidem sobre as reuniões que o grupo vinha mantendo – a maior parte das detenções ocorreu numa dessas reuniões, a 20 de Junho. A acusação e o juiz têm procurado também que os acusados digam “quem é o ditador”.

Também esta quarta-feira, outro dos advogados de defesa, Walter Tondela, anunciou, citado pelo site Rede Angola, que vai fazer uma participação por crime de ofensa corporal, queixando-se de agressão e ferimentos provocados por choques eléctricos, na terça-feira, ao arguido Mbanza Hamza, nome por que é conhecido Afonso Matias.

Na origem do caso estará a reclamação dos activistas de melhores condições na cela do tribunal onde aguardam enquanto não são chamados à sala de audiências. O porta-voz dos serviços prisionais, Menezes Kassoma, negou que arguidos sob detenção tenham sido agredidos. “O recluso Mbanza Hamza tentou trazer uma parte do colchão da prisão para esta instituição que é o tribunal e, felizmente, ele foi impedido. Em função desta situação, negava-se a descer da viatura para entrar para a cela e foi persuadido a entrar”, disse, citado pelo site.

Logo na terça-feira, um dos advogados de defesa, Zola Ferreira, denunciou, em declarações à rádio Voz da América, maus-tratos a detidos – “ouvimos gritos que nos preocuparam”, disse. Ferreira manifestou a intenção de apresentar um protesto junto do juiz.

Ameaças a jornalistas
Uma equipa do Rede Angola destacada para a cobertura do caso – o que só no primeiro dia foi possível fazer na sala de audiências – foi, também esta quarta-feira, ameaçada por um grupo de pessoas que se tem concentrado nas proximidades do tribunal desde o início do julgamento, na segunda-feira.

Os jornalistas disseram ter sido impedidos pelos membros do grupo, que envergam t-shirts brancas com a frase “Justiça sem Pressão”, de fotografarem as suas movimentações. Afirmaram que foram cercados por cerca de meia centena e obrigados por quatro deles a eliminar imagens que tinham captado.

Em declarações anteriores, membros do grupo disseram que não pertencem a qualquer partido e estão a manifestar solidariedade aos serviços judiciais em nome da sociedade civil e a declararem a sua oposição a pressões. No momento em que ameaçaram os repórteres disseram ter autoridade para actuar daquela forma.

O grupo tem sido, segundo o site angolano, transportado para o tribunal em autocarros da empresa pública de transportes colectivos da cidade e escoltado pela Polícia Nacional e por seguranças que envergam t-shirts iguais às suas.

Num sinal de que o que está a acontecer em Luanda é seguido com atenção no exterior, o senador democrata norte-americano Ben Cardin, da Comissão de Assuntos Externos, manifestou preocupação com o julgamento dos activistas e com outras denúncias de violações de direitos humanos.

“Exorto-o a rever a conduta da polícia e dos procuradores neste e noutros casos e a assegurar a o respeito e protecção dos direitos constitucionalmente garantidos de todos angolanos à liberdade de associação, reunião e expressão, e de um julgamento rápido e do direito de recurso”, escreveu o senador numa carta datada de segunda-feira.

 

 

 

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