A tradição do azulejo reinventada na fachada do ViaCatarina

A rua de Santa Catarina, no Porto, ganhou cor a três dimensões, com a fachada do centro comercial decorada com uma instalação que homenageia a peça de cerâmica tradicional.

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Os sete mil funis que constituem os 66 azulejos vão ficar em exposição durante seis meses NELSON GARRIDO

Azulejos, azulejos e mais azulejos. O Porto é rico em fachadas preenchidas com este tipo de trabalho em cerâmica, um elemento quase omnipresente nas ruas do centro da cidade. Dos mais coloridos aos pretos e brancos, dos lisos aos com relevo, dos monocromáticos aos que se enchem de desenhos e representações, basta estar um bocadinho atento quando se passeia pela Baixa para ver a diversidade de fachadas em azulejo. Agora, há mais um ponto de atracção: a fachada do ViaCatarina, que se encheu de mosaicos pontiagudos.

Tendo em conta o peso cultural que o azulejo tem na cidade, a segunda edição do VIArtes decidiu homenageá-lo e difundi-lo através de um projecto AZULagir dos artistas Alberto Vieira, escultor, e José Pedro Santos, arquitecto. “Idealizámos uma intervenção que reinventasse o azulejo português e representasse uma atitude contemporânea enraizada nessa tradição”, explica José Pedro Santos. Contudo, o projecto final foi construído por muito mais do que as quatro mãos iniciais, com o público a tornar-se parte integrante do projecto, salienta o arquitecto. Desta forma, até ao final de Setembro, qualquer pessoa poderia sugerir uma forma de mosaico, que seria depois integrado na instalação. “Os participantes envolvidos no projecto sentem a obra como sua ao verem os seus padrões incorporados no painel e o resultado final reflecte a presença das pessoas, o que dá uma dimensão mais humana [à instalação]”, remata. 

Quem por ali passa ou mora parece aplaudir a iniciativa, que dá um ar mais vivo à rua, já de si uma das mais movimentadas e conhecidas da cidade.  “Está muito engraçada e original”, diz Armando Moreira, de 44 anos. “É agradável, acho que é uma forma de inovar e deviam continuar a apostar nisto!”, sugere. Já Deolinda Silva, de 78 anos, associa a instalação a uma época particular: “Já me faz lembrar o Natal. Consigo ver que é uma imitação do azulejo, mas traz o espírito natalício, ilumina as janelas!”. O escultor Alberto Vieira confirma que o trabalho tem sido bem recebido: “A reacção do público tem sido excelente, parecendo indicar uma forte identificação com o projecto e uma compreensão bastante consensual do seu conceito”. 

Também os comerciantes aplaudem a iniciativa que, manifestamente, capta todos os olhares. Para Luís Vieira, lojista de 28 anos, esta é “uma boa forma de atrair pessoas” para o centro comercial. No entanto, noutra loja, Francisca Cunha Santos, de 21 anos, ressalva: “Para nós, portuenses, que conhecemos bem o azulejo, associamos de imediato. Já os turistas não fazem a associação”. Ainda assim, salienta: “Está um trabalho muito bem feito, cheio de cor”. 

Tomás Furtado, director do ViaCatarina Shopping, conta como foi o processo de selecção deste ano: “Recebemos 15 participações, todas elas com um grande nível de qualidade e criatividade e passíveis de serem implementadas”. Então, porquê o AZULagir? “O projecto sobressaiu desde o primeiro momento pelo seu conceito criativo”, defende, prosseguindo: “os autores recorreram à imagem do azulejo, fazendo a alusão a uma tradição secular portuguesa e, no projecto, reinventam-na através do uso de um objecto tridimensional, o funil”. 

O escultor Alberto Vieira explica o porquê do uso deste material: “Adequa-se à intervenção por ser um elemento plástico, que se distingue pela sua forma, variedade cromática e facilidade de fixação”. Assim, a partir de uma configuração fixa do material, em posição vertical e invertida, conseguiu-se “explorar a liberdade criativa dos participantes”, destaca. 

Sobre a mais-valia que este tipo de iniciativas tem para o comércio, Tomás Furtado é peremptório: “Quem passa pela Rua de Santa Catarina não fica indiferente à 'nova fachada' do ViaCatarina Shopping, acaba sempre por parar para ver o impacto exterior e por entrar para saber mais”. O objectivo da iniciativa passa por “encontrar soluções inovadoras para um maior reflexo da presença do Centro na rua”, ao mesmo tempo que se apresenta “uma obra de arte exposta ao público de forma natural e espontânea”, acrescenta. 

Os sete mil funis que constituem os 66 azulejos na fachada do ViaCatarina Shopping deverão ficar em exposição por um período de “cerca de seis meses”, segundo José Pedro Santos, altura em que deverá acontecer nova edição do VIArtes.  “Esta será uma iniciativa na qual continuaremos a apostar e a dinamizar”, assegura Tomás Furtado. Para além dos vencedores, cuja obra teve honras de fachada, houve ainda espaço para duas menções honrosas, concretamente o projecto “Rotativa” de Fernando Almeida, e “A nuvem”, de Ana Rita Gomes e Francisco Silva. 

Texto editado por Ana Fernandes

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