PJ investiga cirurgias de privados no Santa Maria que terão lesado o Estado

Estará em causa o Instituto Cardiovascular de Lisboa dirigido pelo também director do Serviço de Cirurgia Vascular do Santa Maria suspeito de corrupção, falsificação de documentos e burla na compra de próteses.

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Investigação assenta no facto de o critério de urgência não se verificar, sendo um expediente irregular Nuno Ferreira Santos

O caso de suspeita de corrupção no Hospital de Santa Maria, que na sexta-feira passada levou a PJ a realizar buscas, levou mais recentemente os inspectores a outra linha de investigação relacionada com o desvio de doentes de hospitais privados para a realização de cirurgias naquela unidade que terá lesado o Estado em milhares de euros.

Em causa, segundo fonte policial, estará também o director do Serviço de Cirurgia Vascular, José Fernandes e Fernandes, que foi constituído arguido por suspeita de corrupção, falsificação de documentos e burla na compra de próteses. Um das entidades que está na mira dos investigadores é o Instituto Cardiovascular de Lisboa, do qual aquele médico é director e fundador. Vários doentes terão sido, sem qualquer justificação legal, tratados no Santa Maria, de forma a que os custos com as cirurgias e próteses fossem imputados ao hospital público, não obstante os pacientes pagarem os actos médicos às unidades privadas.

O PÚBLICO tentou obter uma reacção da administração daquele instituto, que terá sido alvo de buscas da PJ, mas a sua administração não respondeu às várias questões colocadas. Também José Fernandes e Fernandes não respondeu às perguntas enviadas pelo PÚBLICO através de uma empresa de comunicação que esta terça-feira distribuiu um extenso comunicado do médico.

No comunicado, o médico diz que todos os actos práticos “no âmbito das suas funções” seguiram “escrupulosamente os procedimentos conhecidos, estabelecidos, documentados e autorizados pela Administração do Centro Hospitalar de Lisboa Norte – Hospital de Santa Maria”, sublinhando que não poderia ter qualquer “poder de decisão ou influência sobre as condições de fornecimento [das próteses] acordadas com quaisquer outras entidades”.

Na sexta-feira, inspectores da Unidade Nacional de Combate à Corrupção e procuradores da 9.ª secção do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa estiveram no gabinete do director do serviço de cirurgia vascular, que até há pouco tempo dirigia a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, lugar que ocupou durante nove anos. Também a residência do médico, a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e a representante em Portugal da empresa fornecedora de próteses foram alvo de buscas.

O responsável médico terá ligações a uma empresa de próteses cardiovasculares que terá privilegiado recorrentemente como fornecedora daquele tipo de equipamentos à unidade hospitalar. Segundo fonte da PJ, para contornar os concursos públicos obrigatórios, o director de serviço terá alegado que as situações dos doentes em causa eram urgentes ao mesmo tempo que indicava a referida empresa como a que estaria em melhores condições para fornecer de imediato as próteses.

A investigação assenta no facto de o critério de urgência não se verificar, sendo por isso um expediente irregular. Uma vez que o requerimento para obter esses equipamentos foi assinado por outros responsáveis do hospital, também eles poderão vir a ser responsabilizados.

As buscas ocorreram quase nove meses após o antigo director do Hospital de Santa Maria, Miguel Oliveira e Silva, ter denunciado a compra de material clínico sem caderno de encargos, os conflitos de interesse e casos de corrupção naquela unidade.

Já em Maio, um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos concluía que a unidade hospitalar está minada por uma teia de interesses e lealdades a partidos políticos, à Maçonaria e à Opus Dei.

Face ao estudo, a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) abriu um processo de averiguações integrado numa investigação que a inspecção já tinha em curso e que foi aberta a pedido do então ministro da Saúde, na sequência de denúncias de alegadas ilegalidades feitas por Miguel Oliveira e Silva. A IGAS não respondeu esta quarta-feira ao PÚBLICO sobre se a averiguação já terá chegado a alguma conclusão.

Já o Tribunal de Contas (TdC), que também recebeu denúncias do ex-director clínico, explicou que não abriu uma auditoria “considerando que está em curso uma auditoria da IGAS, à instituição referida”. De qualquer forma, os relatórios da IGAS serão canalizados para o TdC se indiciarem matéria de responsabilidade financeira. Há quase duas semanas, o hospital foi visitado por elementos do Conselho de Prevenção da Corrupção que funciona junto do TdC. Estes encontros não servem para apurar suspeitas mas para sensibilizar os responsáveis do entidade para a importância de um Plano de Prevenção de Riscos de Corrupção e Infracções Conexas actualizado.

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