Menos seria mais

David Gilmour: neste disco, menos seria mais

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Em dez canções, David Gilmour oferece-nos um vago funk de cabaret apropriado ao set de um blockbuster da década de 1980 DR
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David Gilmour: neste disco, menos seria mais DR

Talvez exista uma relação directa entre a despedida dos Pink Floyd, o ano passado, com The Endless River, e a música gravada em Rattle that Lock, o quarto álbum a solo de David Gilmour. The Endless River era um requiem pela banda e para Rick Wright, o teclista desaparecido em 2008, que tocava as várias linguagens que os Pink Floyd definiram como suas ao longo de mais de quatro décadas.

Rattle That Lock, gravado ao longo dos últimos cinco anos e co-produzido por Phil Manzanera, guitarrista dos Roxy Music que tem sido fiel companheiro de estrada de Gilmour, também é atravessado por um olhar retrospectivo: o deste homem que, entre melodias de piano, a guitarra acústica que serve de cama sonora a diversas canções e o som límpido e cristalino, “slidado”, da eléctrica; entre instrumentais que parecem não servir outro propósito que deixar bem inscrita essa marca autoral no lidar com as seis cordas, ouvimos cantar, em Dancing right in front of me, “dancing in front of me, all the lives I once could see / Slipping to and sleeping fro, disappearing”, ou, em Today, “light of gold in the garden of old / I would take it all again, if it came my way”.

Ao contrário do anterior álbum a solo, On A Island, editado em 2006 e que definimos na altura como o Harvest Moon de David Gilmour, em referência ao álbum feito de memórias e delicadeza nostálgica de Neil Young, Rattle that Lock, com autoria das letras, em parte inspiradas no Paraíso Perdido de Milton, dividida entre Gilmour e Polly Samson, sua mulher, é menos homogéneo. Daí a relação apontada a início com o diverso The Endless River.

Em dez canções, David Gilmour, sempre em modo hi-fi de estúdio topo de gama que já era habitual nos tempos dos Floyd, oferece-nos um vago funk de cabaret apropriado ao set de um blockbuster da década de 1980 (o tema-título), uma balada agraciada pelas vozes abençoadas de David Crosby e Graham Nash (A boat lies waiting) ou a tradição progressiva a alimentar uma canção folk swingada, enriquecida com as orquestrações que marcam grande parte do álbum (Dancing right in front of me).

Entre os instrumentais dispensáveis, quais faixas-extra a incluir numa reedição futura e o tom datado das cuidadosas abordagens a uma ideia adulta de groove, demasiado cerebrais para fluírem livremente, paramos na simplicidade tocante de The girl with the yellow dress, qual velho standard jazz cantado na escuridão, servido pela corneta de Robert Wyatt e pelo saxofone de Colin Stetson, e ficamos com a sensação que, neste disco e perante aquilo que se canta, menos seria mais.

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