PP a precisar de redefinição no fim da era Rajoy

Divisões, contestação interna de figuras menores , mas também importantes como Aznar: a pré-campanha eleitoral não está a correr nada bem ao partido de governo espanhol

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"Somos um valor seguro, um valor firme”, insiste Rajoy Andrea Comas/Reuters

A dois meses das eleições legislativas de 20 de Dezembro, o Partido Popular (PP) espanhol deixa-se afundar numa crise de fim de ciclo, em que nem sequer consegue definir com precisão quem é o seu principal rival. Mariano Rajoy, o presidente do Governo, obstina-se em dizer que não podem ser outros que não os socialistas do PSOE, relutante a encarar outra realidade que não o velho bipartidarismo. Isto, enquanto o ex-primeiro-ministro e fundador do PP, José Maria Aznar, exorta publicamente o seu partido a acautelar-se com o novo partido Cidadãos, que está a disparar nas sondagens.

As divergências entre Aznar e Rajoy – que não são de agora – são apenas a cereja no cimo do bolo. O partido que governa Espanha com maioria absoluta desde 2011 está hoje enfraquecido por múltiplos escândalos e investigações de corrupção – desde a lista do ex-tesoureiro Barcenas e dos dirigentes e autarcas do partido envolvidos na trama de financiamento ilegal do caso Gürtel, até ao caso do ex-ministro da Economia e ex-presidente do Fundo Monetário Internacional, Rodrigo Rato, hoje investigado por fraude, desvio de bens e branqueamento de capitais, durante o seu tempo na administração do grupo Bankia.

Os resultados das eleições autonómicas da Catalunha, a 27 de Setembro, que castigaram o PP – de 19 assentos no parlamento regional, passou para apenas 11, perdendo 128.700 votos – são o aviso que Aznar considera que o PP não pode ignorar. “Para o PP é o pior cenário possível. O teu rival da esquerda saiu reforçado [o PSOE ficou com 16 deputados, perdeu apenas quatro] os secessionistas continuarão o processo. A tua posição fica seriamente comprometida”, afirmou Aznar, citado pelo El País. “É motivo para que alguns pensem seriamente por que é que o partido do Governo não foi capaz de representar a maioria das forças constitucionais na Catalunha”, sugeriu.

O grande vencedor foi o Cidadãos – que ganhou 25 deputados, quando nas últimas eleições autonómicas, em 2012, nem sequer concorreu. Mas a vontade de Rajoy era continuar mais ou menos a ignorar o partido de Albert Rivera – sem, no entanto, esconder que o viam como um potencial parceiro para acordos de governo pós-eleições.

No entanto, após uma reunião da direcção do PP, houve uma inflexão da atitude do PP em relação ao partido estrela desta pré-campanha: os populares passaram a considerá-lo um partido de centro-esquerda e não de centro-direita, que faz “olhinhos políticos ao PSOE”.

Sem que se perfile um novo líder óbvio, há uma sensação de desgoverno do PP, onde imperam divisões e a desorientação de quem procura um rumo para seguir. Vários casos da semana que passou demonstram-no.

Por exemplo, o ministro das Finanças, Cristóbal Montoro, um histórico dos populares, reconheceu ao “El Mundo” que “há companheiros que se envergonham do que fizemos e da sigla PP”, renegando os últimos quatro anos de gestão do partido que, diz “custaram sangue, suor e lágrimas”. O Governo do PP liderou a imposição de austeridade de que Espanha foi alvo porque os seus bancos precisavam de 100 mil milhões de euros para tapar o gigantesco buraco provocado pelo estouro da bolha imobiliária. Queixou-se dos que lamentam “a economia sem alma” e, diz o El Mundo, critica, sem os nomear, Aznar e outros barões do PP.

Já a deputada Cayetana Álvarez de Toledo escreveu uma carta a Rajoy, dizendo que não aceita voltar a candidatar-se. Ex-jornalista do El Mundo, explicou os seus motivos neste jornal, que têm muito a ver com a forma como tem sido conduzido o processo nacionalista da Catalunha, mas também com o “imobilismo” da governação de Rajoy, “o mito de que a sua própria imobilidade garante a desmobilização alheia”.

As suas palavras parecem as de uma deputada da oposição e não admira, porque de outras vezes já apelou directamente ao afastamento de Rajoy: “Durante quatro anos, os espanhóis reclamaram uma maior sensibilidade para as pessoas atingidas pela crise, menor vacilação contra a corrupção, a despolitização urgente da justiça, mais democracia interna nos partidos, uma rotunda deslegitimação histórica e política da violência etarra, apoio inequívoco às vítimas do terrorismo e uma defesa nítida e emocionante do que nos torna cidadãos e nos une como espanhóis. O Governo agiu como se os cidadãos tivessem uma carteira onde habitam o coração e a cabeça, e como se os eleitores do PP fossem eleitores cativos. Não o são. Não o somos”.

Rajoy, instado a comentar se há uma crise no PP, garantiu que está tudo bem, recusando entrar em pormenores: “Não, em absoluto. Somos um valor seguro, um valor firme”. 

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