Poupança das famílias cai para mínimos históricos

Com o consumo a crescer mais do que o rendimento disponível, a capacidade de financiamento das famílias diminuiu no segundo trimestre. Taxa de poupança passou para 5%, o valor mais baixo desde, pelo menos, 1999.

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As Contas Nacionais Trimestrais divulgadas nesta quarta-feira pelo Instituto Nacional de Estatístico (INE) mostram que a capacidade de financiamento das famílias passou para um valor equivalente a 2,1% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano acabado no segundo trimestre, em vez dos 2,7% registados no trimestre anterior.

A taxa de poupança das famílias, que nos três primeiros meses do ano correspondia a 5,8% do rendimento disponível, passou para 5%, o valor mais baixo desde pelo menos 1999, o primeiro ano da série do INE.

Depois de uma recuperação a partir de 2008, altura em que também caiu para um valor historicamente baixo (de 5,2%), a taxa atingiu um pico de 10,5% no início de 2010. O movimento seguinte tem sido irregular: em 2011 a taxa voltaria a baixar, depois passou por uma trajectória de recuperação ao chegar aos 9% em 2013, mas desde então a tendência é de novo descendente.

Foi sobretudo a redução da poupança corrente que contribuiu, no segundo trimestre deste ano, para a quebra na capacidade de financiamento das famílias, porque houve “um aumento da despesa de consumo final (taxa de variação de 1%) superior ao aumento do rendimento disponível (variação de 0,1%)”.

Embora as remunerações recebidas tenham crescido, esse efeito foi contrabalançado por dois factores: a diminuição dos rendimentos de propriedade e um aumento das contribuições sociais. Enquanto os rendimentos de propriedade recebidos pelas famílias baixaram 2,3%, assistiu-se a um aumento do montante das contribuições pagas de 1,1%.

Olhando para a composição do rendimento disponível das famílias – ou seja, o montante que os agregados familiares dispõem para gastar nas suas despesas ou para afectar à poupança –, vemos que perto de dois terços (63,4%) correspondem às remunerações recebidas pelos trabalhadores. Ao mesmo tempo, os impostos (que têm sempre um efeito negativo no rendimento disponível) passaram a ter um peso percentual de -11,1% (um ano antes era de -11,4%).

Depois da recessão
Nos inquéritos de conjuntura aos consumidores, um dos indicadores utilizados pelo INE tem a ver com as perspectivas de realização de poupança nos 12 meses seguintes. Os dados mais recentes, relativos a Agosto, mostram uma ténue diminuição das expectativas de evolução da poupança, ainda que as opiniões sobre a compra de bens duradouros tenham recuperado e o mesmo aconteça relativamente à avaliação da situação económica do país e à evolução do desemprego.

Rui Bernardes Serra, economista-chefe do Montepio, sublinha que “o consumo está a ser apoiado pela melhoria da confiança, pela redução do desemprego, pela melhoria dos rendimentos e pela recuperação do crédito”, que está a crescer tanto por razões do lado da oferta como da procura. A recuperação, lembra o economista, acontece depois de um período de recessão em que os bancos adoptaram “critérios de concessão de crédito mais restritivos” e os consumidores passaram a ter uma “postura mais cautelosa, nomeadamente receando perder o seu posto de trabalho ou os seus níveis de rendimento”.

O economista do Montepio lembra que os bens duradouros foram das componentes do consumo mais afectadas pela crise, em particular as vendas de automóveis. Depois de um período em que decisões de compra poderão ter sido adiadas, diz Bernardes Serra, a melhoria das “condições do mercado de crédito” ajudou a “alimentar alguma procura reprimida durante a recessão”.

Ao mesmo tempo, os dados do INE mostram que a economia portuguesa no seu conjunto diminuiu a sua capacidade de financiamento. O excedente passou a equivaler a 1,3% do PIB no segundo trimestre, menos 0,6 pontos percentuais em relação ao trimestre anterior.

Segundo o INE, “este comportamento reflectiu a diminuição da poupança corrente da economia”, que por sua vez se deve ao facto de o crescimento do rendimento disponível ter sido inferior ao aumento do consumo.

O investimento total aumentou 1,9%, enquanto a taxa de investimento das empresas (sociedades não financeiras) estabilizou em 20,4% do PIB.

A capacidade de financiamento das empresas (excluindo as da área financeira) equivale a 0,5% do PIB, um valor inferior em 0,6 pontos ao trimestre anterior. A redução deste sector, vinca o INE, reflectiu sobretudo a quebra nas transferências de capital recebidas e um aumento das remunerações pagas aos trabalhadores.

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