Editorial: Um pingo de decisão

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Dentro de alguns dias, os navios de guerra europeus vão passar a poder abordar, revistar, confiscar e desviar embarcações suspeitas de estarem a ser utilizadas para tráfico de seres humanos – e podem também fazer detenções.

A medida poderia ser interessante se estivesse enquadrada numa política global e numa estratégica comum para a União Europeia enfrentar uma crise humanitária sem precedentes desde o fim da II Guerra Mundial. Chegam à Europa milhares de migrantes por dia, muitos dos quais migrantes forçados, aos quais muitos de nós passámos a chamar refugiados, apesar de, formalmente, não terem ainda esse estatuto.

Basta olhar para as fotografias de Damasco ou de Alepo hoje para compreender a razão por que milhares e milhares de sírios deixam o seu país todos os dias. Estas pessoas não procuram uma vida melhor, nem um melhor emprego. Procuram simplesmente um lugar seguro. Vêm com os seus bebés ao colo, querem dar uma vida aos seus filhos. Por isso vemos tantas crianças nestas multidões.

A Europa continua sem uma posição credível concertada e o arrastar de pés passou de prazo. Mais de 400 mil estrangeiros chegaram à Europa com a roupa que traziam no corpo. Pedem-nos ajuda e falta pouco para o Inverno. A solução para este êxodo colossal é autorizar o recurso à força militar contra os traficantes de migrantes? Para o que vai isto servir? Era bom que no mundo não existissem traficantes de humanos. E eles devem ser combatidos e punidos. Mas é esse o plano europeu para esta crise? Enquanto houver procura, há oferta. Como no narcotráfico, prender os traficantes não faz parar o negócio da venda de droga.

Enquanto milhares de pessoas saírem dispostas a pagar tudo o que têm a um traficante por um lugar num bote e um colete salva-vidas – e muitas vezes nem isso – haverá tráfico e gente sem escrúpulos a beneficiar do desespero. Só da costa líbia, chegam à costa italiana 450 pessoas por dia. Mas também chegam à costa grega e por terra são hoje cada vez mais. A resposta é necessariamente mais complexa. Não se resolve com muros, nem com prisões, nem deportações expeditas, nem arame farpado, nem gás pimenta. Como diz Guterres, que há dez anos fala com refugiados de todo o mundo, se fechamos a porta, quem quer sair sai pela janela; se fechamos a janela, quem quer sair abre um túnel. E vai sempre conseguir sair.

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