Sorteio premeia enfermeiros com uma semana de trabalho no Reino Unido

Empresa de recrutamento está a sortear duas vagas. Estratégia preocupa Ordem dos Enfermeiros. Só no ano passado perto de 3000 profissionais podem ter emigrado.

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Os sindicatos estimam que faltem 25 mil enfermeiros nos hospitais e centros de saúde Rui Gaudêncio

O processo parece semelhante a um qualquer concurso online que sorteie uma viagem para Londres. Mas neste caso o prémio destina-se a enfermeiros e traz mais do que os bilhetes de avião e o hotel, proporcionando uma semana com tudo incluído num dos hospitais do serviço nacional de saúde inglês (NHS). O interesse do Reino Unido nos enfermeiros portugueses é há muito conhecido e são cada vez mais os que emigram para aquele país. Nos últimos anos multiplicaram-se as agências de recrutamento que têm como objectivo a colocação destes profissionais no estrangeiro. No entanto, surge agora uma nova modalidade: o sorteio. Para os que têm dúvidas sobre como será a mudança, uma destas empresas criou uma nova forma de aliciar os possíveis interessados. Uma “estratégia agressiva” que preocupa a Ordem dos Enfermeiros.

“É enfermeiro e quer ir para o UK? Experimente antes!”, lê-se no site que utiliza um formulário do Google para os interessados se poderem inscrever no sorteio e receberem, dessa forma, mais informações. “O S24 Group em parceria com o NHS irá proporcionar-lhe 1 semana com TUDO incluído num dos seus hospitais!”, explica-se. O anúncio foi também divulgado pela empresa em grupos no Facebook destinados à partilha de informações entre os enfermeiros que ainda estão em Portugal mas ponderam sair e os que já estão no estrangeiro.

“A ideia surgiu juntamente com o parceiro no sentido de inovar e promover in loco novas oportunidade para enfermeiros. Muitos têm ‘medo’ de ir para fora e desta forma achámos que o relato na primeira pessoa era a melhor publicidade”, sintetizou ao PÚBLICO Sofia Fernandes, do S24 Group. De acordo com a responsável, o sorteio conta com duas vagas e tem “várias dezenas” de candidatos que vão saber em breve os resultados. Quanto a requisitos para concorrer, basta fazer um “like” na página de Facebook da empresa, preencher o formulário e partilhá-lo. O S24 Group não especifica quantos enfermeiros já colocou no estrangeiro, mas garante que é um “número significativo”.

Contudo, a Ordem dos Enfermeiros (OE) condena a estratégia. “A Ordem dos Enfermeiros encara com preocupação o aparecimento deste tipo de estratégias mais agressivas por parte das empresas de recursos humanos”, afirma ao PÚBLICO o vice-presidente do conselho directivo da OE, Bruno Noronha Gomes. O representante atribui as saídas dos enfermeiros do Serviço Nacional de Saúde (SNS) a uma “política de recursos humanos errada e errática por parte do Ministério da Saúde, que é acompanhada, genericamente, pelos operadores privados e do sector social, e que vem agravar ainda mais os desequilíbrios do sistema de saúde”.

Bruno Noronha Gomes alerta também para o custo que Portugal tem a formar enfermeiros que depois exporta. “Recrutam-nos em países estrangeiros como Portugal e passam a dispor de um capital humano diferenciado que entretanto fica cada vez mais deficitário nos países exportadores, já de si a braços com problemas complexos na capacidade de resposta assistencial”, sublinha. A formação superior de quatro anos de cada enfermeiro custa, em média, 25 mil euros.

De acordo com a OE, nos últimos seis anos e meio quase 13 mil enfermeiros pediram a este organismo a chamada declaração das directivas comunitárias, um documento necessário para trabalhar no estrangeiro. Na maior parte dos casos os pedidos foram feitos pela região Norte, que totaliza perto de 6500 das solicitações. No ano passado, 2873 enfermeiros solicitaram a declaração das directivas comunitárias, mas o pico aconteceu mesmo em 2013, ano em que quase se chegou aos 3000 pedidos. No primeiro semestre de 2015 houve cerca de 900 enfermeiros com a mesma iniciativa.

A Ordem desconhece ao certo o número de profissionais que emigraram nos últimos anos, embora acredite que grande parte daquele número o tenha feito, até porque continuam a sair todos os anos das universidades públicas e privadas mais de 3000 licenciados em enfermagem com muita dificuldade em encontrar colocação em Portugal ou ofertas não precárias. Mesmo assim, o Ministério da Saúde tem alegado que nunca contratou tantos enfermeiros para o Serviço Nacional de Saúde.

Segundo um balanço da Administração Central do Sistema de Saúde, feito há um mês, até ao final de Julho o Estado tinha contratado mais de 1300 enfermeiros, na maior parte dos casos para instituições de Lisboa e Vale do Tejo, sobretudo hospitais do sector empresarial do Estado. Havia ainda, 770 vagas abertas para os cuidados primários e 126 lugares para os hospitais do sector público administrativo. Valores que também o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) tem criticado, por considerar ser um ritmo insuficiente quando faltam 25 mil enfermeiros em todo o país.

Em relação aos que emigram, os dados da OE indicam que o continente escolhido pela esmagadora maioria dos enfermeiros continua a ser a Europa. A Inglaterra surge à cabeça como o país mais escolhido, seguido da França, Bélgica e Alemanha. Com a presença de mais colegas no estrangeiro, consolida-se a boa imagem da enfermagem portuguesa e quem quer partir consegue também mais informação de quem já lá está, pelo que a expectativa é de que o número de saídas continue a acontecer.

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