Alba renasce das cinzas mas não esquece o passado

Marca histórica comprada em 2009 pela Larus avança para a internacionalização e recupera 12 de um total de 700 produtos em catálogo. Norte da Europa, Marrocos ou Angola são mercados alvo.

Foto
Empresa quer revitalizar-se e vai apostar na modernização de produtos icónicos DR

A marca Alba viu a luz do dia em 1929 em Albergaria-a-Velha pela mão de um empresário ambicioso e com jeito para o desenho e que um dia seria comendador pelo mérito industrial.

Augusto Martins Pereira deu trabalho a mais de 700 funcionários, tornou a sua produção uma referência nacional, deixou uma herança social que se mantém de pé – construiu dois hospitais, dois cineteatros, um bairro social, refeitórios para os pobres – e inscreveu na história produtos que se tornaram símbolos da portugalidade, como os tradicionais bancos de jardim, que acabam de fazer 80 anos, e as colunas de iluminação de ferro fundido, além dos postos de incêndio, ferros de engomar, louça de alumínio, caixas de correio, fogões a lenha.

A fundição Alba sucumbiu no final dos anos 90 do século passado. A marca foi comprada em 2009 pela Larus, o maior grupo nacional de desenvolvimento, inovação e produção de mobiliário urbano, instalado em Albergaria-a-Velha desde 1988. Uma compra afectiva e empresarial comandada por Pedro Martins Pereira, bisneto do fundador da Alba e proprietário da Larus. Marca comprada, relançamento a todo o gás no mercado interno e externo: 2015 é o ano da internacionalização da nova Alba.

Num catálogo com mais de 700 produtos da velha Alba, recuperaram-se 12 e criaram-se objectos inspirados no passado com os olhos postos no futuro. O arquitecto Souto Moura desenhou um recuperador de calor para a Alba que, no ano passado, ganhou o mais importante prémio internacional de design de produto, o Red Dot. O designer Francisco Providência também faz parte da nova vida da Alba: redesenhou o logotipo da marca, manteve as formas arredondadas, puxou as pernas dos “as” na parte interior, e ainda desenhou duas salamandras, uma inspirada nos primitivos motores de combustão, outra com uma imagem futurista a lembrar o pequeno robot da Guerra das Estrelas.    

Pedro Martins Pereira tem nas mãos uma “preciosidade” que nasceu na família. “É uma marca muito forte precisamente por ter elementos simbólicos muito profundos. Há aspectos que não se podem adquirir, ou existem ou não existem. Nesta marca, ao longo de anos, foram-se desenvolvendo alguns desses aspectos simbólicos que permitem transmitir para o exterior, de uma forma sensível e emotiva, uma força muito grande”, afirma.

Numa fase inicial, foi feita uma análise estratégica para decidir o que seria aconselhável produzir para que a Alba se apresentasse ao mundo de forma actual e rentável. Para que a marca renascesse das cinzas foram definidas três áreas de negócio: mobiliário urbano tradicional, equipamento para água e saneamento e de combate a incêndios e ainda aquecimento doméstico a lenha. “O mobiliário urbano tradicional é uma área que faz sentido, que tem muito a ver com a história da empresa. O meu bisavô trabalhou em Boston numa altura em que se estava a fazer a reconversão da paisagem urbana das cidades”, recorda. Foi aí que Augusto Martins Pereira, o empresário que mudaria a paisagem económica de Albergaria-a-Velha, despertou para o mobiliário urbano e que mais tarde desenhou, pelo próprio punho, os bancos de jardim Alba, modernos na altura, vendidos como uma peça decorativa, e que se espalharam pelo país. Os bancos de jardim e as colunas de iluminação mantêm os traços do passado – e nas colunas está a ser estudada a adaptação de iluminação Led para diminuir os consumos de energia. “É possível que venhamos a desenvolver novas peças, mas com o desenho tradicional, muito clássico”, adianta o empresário. Na nova vida da Alba, já há bancos de jardim em alguns concelhos, como na Marinha Grande, por exemplo. “Há boas perspectivas de venda, estamos a negociar várias centenas de peças nesta área”. Marrocos é um potencial destino de exportação.  

No aquecimento doméstico a lenha, há peças tradicionais que a Alba já produzia e produtos de autor como o recuperador de calor de Souto Moura e as duas salamandras de Providência. O mercado nacional é o mercado natural, mas o norte e centro da Europa são também alvos escolhidos. “Os nossos preços nestes equipamentos são muito competitivos”.

A Alba está também focada no desenvolvimento de tampas de saneamento em materiais compósitos, para combater o roubo das tampas tradicionais, e de novos hidrantes e outros equipamentos de combate a incêndio, produtos que fazem parte de outra área de negócio. Moçambique e Angola são os destinos mais prováveis, além do mercado nacional. “A Alba tem sido vendida no mercado nacional, mas não vai ficar apenas em Portugal. A marca tem a sua força, as suas possibilidades, os seus meios, há que os utilizar lá fora”.

Pedro Martins Pereira não abre mão da qualidade dos produtos Alba. É o coração que fala e a alma de empresário. Promete não ceder neste campo. “Atravessamos, neste momento, uma situação delicada. Compra-se o que for mais barato em termos de concursos públicos. Não aceitamos descer a qualidade do produto”. “Aproximamo-nos de um país do terceiro mundo e temos de lutar contra isso, temos de optar por uma melhor relação qualidade-preço, preços competitivos, mas mantendo qualidade”, sublinha.

O dono da Larus e da Alba revela que produzir as peças, tal como pretende, tem “custos muito elevados”. A globalização mudou as regras do jogo e Pedro Martins Pereira tem a sua opinião num contexto que mexeu com o mundo económico. “A solução mais inteligente e mais eficaz é tirarmos partido de alguns componentes que são mais indiferenciados e que podem ser adquiridos onde a mão-de-obra é muito barata, conseguindo com isso ter produtos mais competitivos, mas incorporando aquilo que podemos beneficiar com margens maiores. Nessa mão-de-obra e em componentes tecnicamente mais exigentes, se conseguirmos fazer este mix, conseguimos ter produtos melhores e muito competitivos, maximizando a nossa mão-de-obra”, refere.

Duas marcas, duas identidades
Pedro Martins Pereira comprou a marca criada pelo bisavô. “Fazia todo o sentido que a Alba entrasse pela porta da Larus. É um processo natural até porque trabalhei na Alba e sempre tive uma relação apaixonada com a marca.” A Larus surgiu em 1988, em Albergaria-a-Velha, a terra natal da marca Alba. A empresa de mobiliário urbano, com 55% do seu volume de negócios direccionados para a exportação, foi distinguida em 2011 como a melhor da Europa em gestão de design pelo Design Management Europe Award. Está a desenvolver novas linhas de mobiliário, sinalética, quiosques, esplanadas, ecopontos, entre outros equipamentos, para a Europa, Médio Oriente e África e tem o know-how que a Alba precisa para vingar no mercado e recuperar o brilho do passado com as exigências do futuro. Todavia, uma marca não se sobrepõe à outra, cada uma tem as suas especificidades e respira por si. A Larus privilegia a criatividade que se reflecte numa recheada carteira de parceiros que inclui nomes como Siza Vieira, Daciano da Costa, Souto Moura, Alcino Soutinho, Carrilho da Graça, Francisco Providência, Henrique Cayatte. Tem produtos em vários locais, como bancos em Serralves e na baía de Luanda, ou mobiliário urbano em Casablanca e no parque do Museu do Prado em Madrid.

Através da Larus, Pedro Martins Pereira quer que a criatividade e a garantia de fabrico da Alba voltem a brilhar. Em 2014, a Larus atingiu um volume de negócios na ordem dos 3,5 milhões de euros. Já a Alba é, por enquanto, uma incógnita. O empresário não avança um número para fechar 2015. “A Alba tem um valor impensável. Antigamente faziam-se previsões a dez, 15 anos, hoje em dia fazer uma previsão de um ano é um grande desafio”, comenta. “Temos de estar muito disponíveis para as oportunidades que aparecem e potenciarmos novas oportunidades. Temos de ser criteriosos na utilização de meios, estamos permanentemente a discutir de que forma podemos promover a Larus e a Alba. Há situações que podem acontecer de repente. É muito imprevisível.”

Neste negócio, há laços de sangue
Pedro Martins Pereira é bisneto de Augusto Martins Pereira, 0 empresário que criou a marca Alba e mostrou o que é a verdadeira responsabilidade social ao construir dois hospitais, dois cineteatros, um bairro social, refeitórios para servir a sopa dos pobres. Criou um clube desportivo e uma banda de música. Pedro Martins Pereira é filho de António Martins Pereira que construiu de raiz o primeiro carro genuinamente português na fábrica Alba.

É engenheiro metalúrgico, trabalhou na Alba, saiu em 1988 para criar a sua própria empresa, a Larus, mantendo-se em Albergaria-a-Velha. “A Alba não é só uma marca com a qual me identifico, mas onde encontro valores muito expressivos, muito fortes, muito significativos”, garante. Neste negócio, há laços de sangue e a Larus acaba por ser a cereja em cima do bolo. O seu know-how é fundamental no relançamento da Alba porque se move bem na área, porque tem um corpo de profissionais e um gabinete de projecto – constituído por designers, engenheiros e técnicos especializados - que sabem quão importante é respeitar o passado sem esquecer a competitividade do futuro.

De qualquer forma, Pedro Martins Pereira separa as águas. “Cada marca tem a sua identidade, a sua filosofia, e isso é virtuoso para as marcas. Há aspectos em que há muita aproximação, no sentido em que ambas as marcas pretendem ter criatividade, mas cada uma tem a sua maneira de ser, os seus produtos, não existem propriamente áreas cinzentas entre as duas”. E as duas têm prémios internacionais de design. No ano em que o recuperador de calor desenhado pelo arquitecto Souto Moura para a Alba ganhou o Red Dot, a Larus recebeu o seu terceiro prémio internacional de design ao também vencer um Red Dot Award com a papeleira Sheet, desenhada por Pedro Martins Pereira para o Kuwait, nomeadamente para o Memorial Zone do Al Shaheed Park, um dos mais importantes projectos urbanísticos do Golfo Pérsico que homenageia os “heróis” do país que protegeram o edifício da rádio e da televisão durante a invasão do Iraque em 1990.

Para distinguir projectos e equipamentos de mobiliário urbano - desenvolvidos por estudantes, autores, profissionais de design, empresas e entidades públicas em Portugal e em Espanha - a Larus criou o Prémio Ibérico de Design. Os trabalhos com um impacto social e económico positivo no urbanismo das cidades e na qualidade de vida dos cidadãos terão mais probabilidades de vencer. Ganham um troféu feito pela Larus e a oportunidade de visitar feiras internacionais da área.

“Hoje em dia, a preocupação é conseguir transmitir ao nosso cliente um negócio que seja melhor do que a própria imaginação, temos de ter essa capacidade e a Alba já tinha essa preocupação. A Alba tinha qualquer que transcende, um sentido de responsabilidade social muito particular, que caracteriza a marca”. 

Mas há também algumas dores de cabeça. As duas marcas são das mais copiadas no mercado nacional e a empresa trava uma luta diária contra a violação dos direitos da propriedade industrial. “Uma das formas de um país se desenvolver é apostar na valorização daquilo que faz, tirando partido da capacidade intelectual das pessoas. A marca Alba e a Larus sempre tiveram essa atitude desde o princípio e mantêm-na. E isso é um trabalho intelectual que a legislação protege, só que a legislação tem vindo a ser cada vez mais permissiva”, refere o empresário.  

Sugerir correcção
Ler 1 comentários