Carta Aberta ao Presidente da República de Angola

Supressão da liberdade de expressão, associação e reunião pacífica em Angola.

A Amnistia Internacional, o Centro de Litigação da África Austral, a Associação de Advogados da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral e a Front Line Defenders observam com grande preocupação um grave padrão de desrespeito pela liberdade de opinião, de expressão e de reunião pacífica em Angola. Escrevemos a V.Ex.ª, na sua capacidade de Presidente de Angola, para expressarmos a nossa inquietação e solicitar-lhe que tome medidas no sentido de repor o respeito pelo direito de liberdade de expressão, de associação e de reunião pacífica no país.

Notamos com grande apreensão o recurso às leis de segurança do Estado, de uma forma que visa aparentemente suprimir estes direitos no país. Temos conhecimento de pelo menos três casos, envolvendo 18 indivíduos, só este ano em Angola. Referimo-nos especificamente à prisão arbitrária, no dia 20 de Junho de 2015, e à detenção continuada, de pelo menos 15 indivíduos reunidos para uma troca de opiniões de natureza política. Encontram-se detidos por suspeita de se prepararem para cometer o crime de rebelião e atentar contra a vida do Presidente e outros membros do Governo. Foi-lhes negada a libertação enquanto aguardam julgamento.

Estes casos incluem a prisão arbitrária e detenção continuada de José Marcos Mavungo, na província angolana de Cabinda, por envolvimento na organização de uma manifestação pacífica. É acusado do crime de “rebelião” e está em risco de ser sujeito a uma pena de 15 anos de prisão. Há ainda a registar a prisão arbitrária e detenção do advogado Arão Bula Tempo e do seu cliente, Manuel Biongo, também em Cabinda e igualmente por envolvimento na manifestação planeada. Arão Bula Tempo e Manuel Biongo enfrentam acusações do crime de “colaboração com estrangeiros para constranger o Estado angolano” e arriscam-se a uma pena máxima de dez anos de prisão.

Excelência, Angola tem a obrigação, enquanto Estado-parte do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de respeitar os direitos de liberdade de opinião, de expressão e reunião, que protegem especificamente a liberdade para as pessoas se reunirem e trocarem conjunta e livremente opiniões e se manifestarem pacificamente a favor da mudança em domínios nos quais exista descontentamento. Estas liberdades são também essenciais para os princípios de “soberania popular”, “pluralismo de expressão política” e “democracia participativa”, um dos conjuntos de princípios fundamentais consagrados na Constituição de Angola[1].

Recordamos V.Ex.ª de que, nos termos da Constituição da República de Angola, “incentivar a participação democrática dos cidadãos e da sociedade civil na resolução dos problemas nacionais” constitui uma das tarefas fundamentais do Estado angolano[2]. Para concretizar estes desígnios, é essencial que Angola respeite, proteja e promova os direitos de liberdade de expressão, de associação e de reunião, bem como o direito a participar na condução dos assuntos públicos.

Nos termos do direito internacional, as restrições ao direito de reunião pacífica, de expressão e de associação devem ser impostas em conformidade com a lei e devem ter como objectivo único a protecção de certos interesses públicos especificados, nomeadamente a segurança nacional ou a protecção dos direitos de outrem; e devem ser comprovadamente necessárias para esses efeitos numa sociedade democrática[3]. A este respeito, o Relator Especial das Nações Unidas sobre a promoção e protecção dos direitos do homem e das liberdades fundamentais no contexto da luta contra o terrorismo afirmou “...um Estado não deve invocar a segurança nacional como justificação para medidas destinadas a suprimir a oposição ou para práticas repressivas contra a sua população”[4].

As críticas relacionadas com a governação, os protestos pacíficos e as expressões de insatisfação não constituem, em si mesmos, actos de traição. Relembramos V.Ex.ª em particular o Princípio XII da Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão em África, que afirma que as autoridades públicas devem tolerar um maior grau de críticas do que o indivíduo comum e solicitamos que informe todos os funcionários governamentais desta exigência. Solicitamos ainda que recorde todas as autoridades governamentais da posição do Conselho de Direitos Humanos da ONU de que os protestos públicos não devem ser considerados uma ameaça[5].

Recordamos V.Ex.ª das recomendações aceites por Angola durante a sua Revisão Periódica Universal na ONU em Outubro de 2014. Estas incluíram um compromisso por parte de Angola de respeitar plenamente e tomar medidas que assegurem, protejam e promovam integralmente a liberdade de expressão, de opinião, de associação e de reunião pacífica no país, de acordo com as obrigações de Angola. Além disso, Angola comprometeu-se a intensificar os seus esforços no sentido de impedir, investigar e pôr termo aos casos de prisão e detenção arbitrária, nomeadamente garantindo que os responsáveis por esses casos sejam presentes à justiça. Apelamos assim a V.Ex.ª para que concretize estas recomendações, de acordo com os compromissos voluntariamente assumidos por Angola e com as obrigações do país no domínio dos direitos humanos.

[1] Artigo 2.º da Constituição da República de Angola de 2010.

[2] Id, Artigo 21.º(l)

[3] Ver Artigos 19.º, 21.º e 22.º do PIDCP, Artigo 11.º da Carta Africana, assim como a Resolução da Comissão Africana sobre o Direito de Liberdade de Associação e a Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão em África

[4] Protecção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais no contexto da luta contra o terrorismo, A/61/267, parágrafo 20 http://freeassembly.net/wp-content/uploads/2014/05/A61267_English.pdf.

[5] Resolução 22/10 do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, sobre a promoção e protecção dos direitos humanos no contexto de protestos pacíficos, adoptada sem votação, 21 de Março de 2013.

Deprose Muchena, Director para a África Austral da Amnistia Internacional; Kaajal Ramjathan-Keogh, Director Executivo do Centro de Litigação da África Austral; Gilberto Caldeira Correia, Presidente da Associação de Advogados da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral; Mary Lawlor, Directora da Front Line Defenders

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