Temos planos de prevenção desde 2004. Mas isso chega?

Nas ondas de calor, é preciso proteger sobretudo os mais idosos e os que vivem isolados, alertam os especialistas.

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Previsões das temperaturas passaram a ser transmitidas aos centros de saúde Rui Gaudêncio

O princípio do Verão tem sido relativamente ameno em Portugal. Há registo de temperaturas altas nalgumas regiões, mas apenas por períodos curtos, descreve Graça Freitas, subdirectora-geral da Saúde. Apesar de já terem sido observadas ondas de calor em Maio e Junho, o impacto na mortalidade não foi expressivo. Nada impede, porém, que este fenómeno ainda aconteça ao longo do Verão. É ao fim de cinco a seis dias de calor acima do habitual que tudo começa a complicar-se, explica a responsável da Direcção-Geral da Saúde (DGS).

Para prevenir as consequências das ondas de calor na população, e desde 2004, Portugal tem um plano de contingência que é activado entre 15 de Maio e 30 de Setembro e que articula uma série de instituições, como a protecção civil e a segurança social. O plano tem vindo a ser melhorado. “Agora damos muita ênfase não só às regiões mas também às instituições. Queremos prever qual vai ser o impacto das temperaturas nos serviços, se vão ter um maior afluxo de doentes, por exemplo”, acentua Graça Freitas. 

Também as previsões de temperaturas passaram este ano, pela primeira vez, a ser divulgadas aos profissionais envolvidos neste plano a um nível mais local, o dos agrupamentos de centros de saúde. A climatização das instituições tem igualmente sido levada em conta, assegura a responsável da DGS, que lembra que em 2014 se fez  "um trabalho com a segurança social para que os lares de idosos tivessem uma melhor climatização e mais pessoal médico e de enfermagem".

Paulo Diegues, chefe da Divisão de Saúde Ambiental da DGS, bate na mesma tecla, ao assegurar que este plano "tem vindo a ser afinado". Prova disso é o facto de, agora, além da temperatura, incluir outros indicadores, como os níveis de ozono e as partículas na atmosfera provocadas pelos grandes incêndios, que têm efeitos na saúde, contribuindo para a descompensação e agravamento de doenças crónicas, diz.

As próprias instituições, como os hospitais, passaram igualmente a ter planos de contingência e presta-se cada vez mais atenção às pessoas mais isoladas. “Quer a protecção civil, quer os presidentes das juntas sabem onde vivem os mais vulneráveis”, assegura, frisando que há "abrigos" definidos nos planos de emergência para onde estas pessoas podem ser encaminhadas, se tal se revelar necessário.

“Devemos estar atentos sobretudo aos mais idosos, aos que vivem isolados, que são os que estão mais em risco”, corrobora o epidemiologista Paulo Nogueira, da DGS. Há muitas doenças, nota, que são exacerbadas pelas temperaturas elevadas, como a diabetes, a insuficiência respiratória e cardíaca. “Há quem diga que o calor não mata. Mas, indirectamente, acaba por matar.”

Para a meteorologia são necessários seis dias consecutivos de temperaturas altas para haver ondas de calor, mas os alertas da DGS começam muito antes, quando há pelo menos dois dias de calor pouco usual para a época e a região. “Os alertas da meteorologia, da protecção civil e da saúde são diferentes. Nós não podíamos esperar seis dias para avançar com medidas de mitigação”, explica Paulo Diegues.

Mortes poderiam ser evitadas
Mas será que isto chega? Não basta, defende Francisco Freitas, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Para o sociólogo, as ondas de calor põem a nu toda uma série de “vulnerabilidades, como o isolamento, a pobreza, a quebra de vínculos sociais”. Um dos "aspectos mais perversos" prende-se com o facto de a população idosa ser “uma população sem voz”, nota.

Ter um “dispositivo sócio-técnico” não chega, os problemas estruturais são mais complexos, enfatiza. "Somos dos países mais envelhecidos do mundo, e é frequente as famílias irem de férias e deixarem os mais velhos por sua conta e risco". A mortalidade pode ser reduzida se forem activadas medidas de protecção eficazes e "há margem para melhorar o trabalho realizado e minorar" os efeitos destes eventos extremos. Exemplos? "Apelar à solidariedade de familiares e de vizinhos e operacionalizar planos a nível local".

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