Aumento de poderes de espiões assusta juízes e Protecção de Dados

Governo quis “robustecer” secretas, que, para combater terrorismo, passam a poder aceder a registos telefónicos e dados bancários e fiscais. Em causa pode estar devassa da privacidade.

Foto
Merkel tem um telefone da chancelaria considerado super-seguro Fabrizio Bensch/Reuters

O acesso dos agentes das secretas a informações que até aqui lhes estavam, à partida, vedadas, como registos de chamadas telefónicas e dados bancários e fiscais de pessoas consideradas suspeitas de terrorismo, está a assustar tanto a Associação Sindical de Juízes Portugueses como a Comissão Nacional da Protecção de Dados.

Em causa está uma proposta de lei para “robustecer” o quadro legal do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) no âmbito do combate ao terrorismo, aprovada esta quinta-feira em Conselho de Ministros. Quer no entender dos juízes quer no da Protecção de Dados, o diploma pode abrir a porta à devassa da vida privada, um direito constitucionalmente garantido. "A proposta tira Portugal de uma situação que é praticamente ímpar em toda a União Europeia. Portugal, a par da Suíça, são os únicos países onde não existe legislação que permita aos serviços de informação ter acesso a dados de tráfego e a dados fiscais e a dados bancários", explicou o ministro da Presidência, Luís Marques Guedes, na conferência de imprensa realizada no final da reunião dos membros do executivo, frisando que apenas será autorizado o acesso “ao registo de tráfego de comunicações", e não ao conteúdo das comunicações, ou seja, escutas.

Esta garantia não sossega, porém, a presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses, Maria José Costeira, que fala em “devassa inadmissível da vida das pessoas”.

“Ninguém tem de saber com quem é que eu falo. Este mecanismo pode pôr em causa a reserva da vida privada. E isso é inconstitucional”, avisa, criticando também o facto de um diploma legal com estas características ser aprovado sem que previamente tenha tido lugar uma discussão sobre o tema. O debate surgirá porém em breve, quando a proposta chegar à Assembleia da República, muito embora a coligação que sustenta o Governo conte nesta matéria com o apoio dos socialistas. De resto, o conteúdo do diploma não é, ainda, conhecido na íntegra. O que se sabe dele provém do comunicado do conselho de ministros e das declarações de Marques Guedes. O governante justificou a quebra do sigilo fiscal e bancário com o facto de o terrorismo estar frequentemente associado ao branqueamento de capitais. Quanto ao direito à privacidade, o Governo resolveu a questão criando mais uma entidade para vigiar as secretas, neste caso uma comissão de controlo prévio, composta por três juízes. Caber-lhe-á autorizar o acesso dos espiões aos dados sensíveis. O comunicado do conselho de ministros fala num “exigente procedimento legal que visa a sindicância do acesso a dados pessoais que possa pôr em causa a reserva da intimidade da vida privada”.

Do lado da Comissão Nacional da Protecção de Dados, a reacção também é negativa, até porque esta entidade podia já ter sido ouvida antes de o “robustecimento” do SIRP ser aprovado, e não o foi. Sê-lo-á concerteza agora, uma vez que, como frisa a porta-voz da comissão, Clara Guerra, está em causa o acesso a informação protegida por diferentes tipos de sigilo, consoante se trate de dados fiscais, bancários ou telecomunicações. Este último item poderá incluir acesso das secretas a SMS e aos registos de entrada na Internet.

“Há uma alteração estruturais e fundamentais do modelo de funcionamento e da capacidade de acesso destes serviços a dados pessoais sensíveis, o que é preocupante”, refere a mesma porta-voz, que, tal como a líder sindical dos juízes, defende que as alterações que o Governo quer fazer devem ser alvo de amplo debate público.

Está marcado para Setembro o arranque de um julgamento que tem na sua origem, entre outras coisas, o facto de agentes das secretas terem espiado em 2010 a facturação detalhada do telefone do jornalista Nuno Simas, que à data trabalhava no PÚBLICO. São acusados de vários crimes, como acesso ilegal de dados, acesso ilegal agravado e violação do segredo profissional.

Sugerir correcção
Ler 9 comentários