Actividade dos genes humanos varia ao longo das estações do ano

No Inverno, o corpo prepara-se para as doenças, no Verão, as pessoas estão em geral mais saudáveis. Este fenómeno está ligado a um ciclo sazonal da actividade de milhares de genes.

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No Inverno, o corpo parece estar mais preparado para as infecções, o que pode exacerbar as doenças auto-imunes Paulo Pimenta
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Gráfico com linhas que representam os genes mais activos no Verão (a azul), no Inverno (a verde) e um gene (com a linha a vermelho) que não apresenta periodicidade anual Castro Dopico <i>et al</i>

O Inverno, com as suas noites longas, o ar gélido e a chuva, é propenso ao resguardo das pessoas e obriga-as a cuidados para evitar as constipações e as infecções. Porque, sem querer, somos tomados pelos espirros, pela tosse, pela dor de garganta, pela febre. Os agentes patogénicos, como vírus e bactérias, andam pelo ambiente e infectam-nos. E o corpo humano reage com os sintomas que associamos à doença. Mas é possível que estejamos adaptados às particularidades desta estação. Um estudo revela agora que há genes que estão mais activos no Inverno e menos activos no Verão e vice-versa.

Ao todo, 5136 genes, entre os 22.822 genes humanos, mostraram ter um padrão cíclico ao longo do ano. Alguns destes genes são importantes para desencadear a inflamação, um dos fenómenos do sistema imunitário que ajudam o corpo a combater as infecções. Este padrão poderá ter sido desenvolvido quando o homem pré-histórico se deparou com o clima europeu, com dias curtos e frios, e teve de enfrentar as doenças típicas desta estação.

Mas hoje, esta condição “pró-inflamatória” dos europeus no Inverno, como lhe chama os autores deste estudo, publicado esta semana na revista Nature Communications, poderá também estar associada a doenças cardíacas, psíquicas, auto-imunes e à diabetes. Para muitas destas doenças, já se tinha chegado à conclusão de que havia um padrão sazonal com um pico no Inverno. E nos últimos anos, tem-se associado a inflamação a estes problemas. O novo estudo relaciona pela primeira vez esta disposição “pró-inflamatória” no Inverno com o padrão sazonal dos picos daquelas doenças.

A equipa, liderada por investigadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, analisou amostras de 16.000 pessoas a viver em ambos os hemisférios: na Alemanha, nos Estados Unidos, na Islândia, no Reino Unido e na Austrália. Os cientistas também analisaram amostras de pessoas da Gâmbia, em África, que, embora esteja no Hemisfério Norte, se situa nos trópicos e não tem estações definidas pela temperatura. Mas tem um período do ano com chuva intensa, entre Junho e Novembro, equivalente ao Verão e ao Outono nas regiões temperadas do Hemisfério Norte, enquanto nos restantes meses quase não há chuva.

Os cientistas analisaram a actividade genética dos glóbulos brancos, que estão no sangue, e das células do tecido adiposo. É preciso lembrar que as células do corpo têm os mesmos cromossomas – conhecidos pela sua forma de X, onde está inserida a longa molécula de ADN que contém os genes –, já que todas são provenientes da divisão da célula inicial, resultante da fecundação do ovócito pelo espermatozóide.

É a partir dos genes que as células produzem as proteínas, usadas para as mais variadas actividades. No entanto, para cada tecido há tipos de células específicos, que desempenham determinadas funções e usam uma constelação própria de proteínas. Por isso, cada tipo de célula tem preferencialmente em actividade um grupo de genes. Deste modo, a análise dos cientistas mostra apenas uma pequena parte da realidade de todo o corpo humano.

"Descoberta surpreendente"
Ainda assim, os resultados são claros. Uma parte da informação veio da análise da actividade genética de bebés na Alemanha e mostrou que 2311 genes estão mais activos nos meses do Verão europeu e outros 2826 estão mais activos durante o Inverno europeu. Este padrão é o mesmo na Austrália, mas nos meses contrários, já que os meses de Inverno cá são os meses de Verão lá.

Um dos genes mais activos no Verão é o ARNTL, que suprime a actividade inflamatória. Se a sua actividade é menor no Inverno, então a função inflamatória está mais exacerbada nesta estação. “É realmente uma descoberta surpreendente”, defende John Todd, da Universidade de Cambridge, num comunicado desta instituição. “De alguma forma, este fenómeno é óbvio: ajuda a explicar por que é que tantas doenças, desde as cardíacas até às mentais, são muito piores no Inverno, mas nunca ninguém tinha compreendido a sua extensão. As implicações desta descoberta são profundas para a forma como tratamos doenças como a diabetes.”

Segundo os cientistas, a descoberta fundamenta a ideia de que no Verão nos sentimos mais saudáveis e dá uma possível explicação para haver mais mortes no Inverno, quando a situação fisiológica pode atingir certos limites, durante as infecções, principalmente nas pessoas mais velhas.

Por agora, os cientistas não sabem como é que o corpo controla estes ciclos. O tamanho dos dias ou a variação da temperatura ao longo do ano poderão influenciar a actividade genética. Um dado interessante resultante desta investigação veio da Gâmbia: ali, o pico pró-inflamatório está ligado à época das chuvas, altura em que doenças como a malária atacam mais.

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