Outras ideias (não miraculosas) para travar mortes no Mediterrâneo

Para além das acções mais imediatas de reforço das operações de busca e salvamento, só com mudanças no modo como a União Europeia lida com os refugiados e imigrantes, e com medidas nos países de trânsito e de origem, as tragédias no Mediterrâneo poderão acabar.

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Refugiados curdos num campo de refugiados na Turquia Umit Bektas/REUTERS

Acolher mais refugiados
Os países ricos devem aceitar receber um milhão de refugiados da Síria nos próximos cinco anos. A proposta é do relator especial das Nações Unidas para os direitos humanos e migrações, o canadiano François Crépeau. “Para um país como o Reino Unido, isso significaria provavelmente cerca de 14 mil sírios por ano. Para o Canadá, representaria menos de 9000 por ano – uma gota de água. Para a Austrália, menos de 5000 por ano”, disse ao diário britânico The Guardian. O plano poderia estender-se por sete anos e incluir cidadãos de outros países. Prevê-se que um número crescente de pessoas, designadamente sírios, continue a fugir das zonas de conflito. “Se não criarmos um mecanismo oficial para o fazerem, vão recorrer a traficantes. A inacção da Europa é o que na verdade cria mercado para os traficantes”, disse. O número dos que receberam protecção na Europa devido a perseguição por motivos étnicos, religiosos ou políticos ou por razões humanitárias ascendeu em 2014 a 163 mil pessoas. Alemanha, Suécia, Itália, França, Holanda, e Reino Unido foram responsáveis por 80% das respostas positivas.

Criar rotas legais
Uma forma de retirar aos traficantes a importância que ganharam junto de refugiados e imigrantes – e evitar que estes tenham de se arriscar em perigosas rotas migratórias – seria criar mais rotas legais para entrada na União Europeia. A ideia é defendida por grupos de apoio a refugiados. Igrejas, mesquitas e membros de comunidades de imigrantes já instaladas nos países de acolhimento poderiam apoiar refugiados, suportando os custos da integração. O Guardian lembra que um projecto-piloto do género, para 500 refugiados, existe desde 2013 na Austrália. Outra forma de responder à pressão migratória e ao fluxo de refugiados seria alargar o âmbito das leis de reagrupamento familiar. Para além das mulheres e filhos passaria a ser possível que irmãos, pais e primos se juntassem aos refugiados e imigrantes iniciais. Uma possibilidade que está na agenda das organizações que se dedicam ao apoio a refugiados é a de os pedidos de asilo de sírios que querem ir para a Europa, América do Norte ou Austrália poderem ser apresentados em cidades como Istambul, Amã ou Beirute. Só este ano chegaram à UE mais de 11 mil cidadãos sírios. Paralelamente à criação de rotas seguras para a imigração, o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) defende a criação de campanhas de informação para alertar imigrantes e refugiados para os perigos de tentarem entrar ilegalmente na Europa.

Uniformizar regras de asilo
Apesar de várias propostas para a adopção de uma política comum de asilo, os países da União Europeia continuam a ter regras de acolhimento diferentes – designadamente para a concessão de asilo por razões humanitárias –, o que cria desequilíbrios internos. Na campanha para as eleições europeias de 2014, o agora presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, chamou a atenção para o facto de um mesmo requerente de asilo ter 70-75% de possibilidades de ser acolhido num país e menos de 1% noutro. E defendeu a necessidade de corrigir desequilíbrios. Distribuir proporcionalmente refugiados e imigrantes de acordo com a dimensão e riqueza de um país é uma ideia. Mas a tarefa não é fácil. Governos de países onde a imigração é um tema sensível da política interna, e o discurso anti-imigração tem expressão eleitoral, estão pouco ou nada receptivos a um “quadro-comum” que implique receberem mais refugiados. O ACNUR defende que sejam melhoradas as condições de acolhimento, tendo em contas as necessidades específicas de famílias, mulheres e crianças e que sejam garantidas condições dignas de retorno para os requerentes de asilo que se verifique não precisarem de protecção nos seus países de origem.

Imigração sazonal
Para além dos refugiados do Médio Oriente e do Norte de África, são muitos os cidadãos de países da África subsariana que procuram chegar à Europa para tentarem melhorar as suas condições de vida. Nas declarações que fez ao Guardian, François Crépeau defende que se dê também atenção aos “imigrantes económicos” e que em vez de resistirem à mobilidade, os países com mais recursos tomem a iniciativa de a organizar. Em entrevista à Lusa, em Janeiro, o relator especial das Nações Unidas tinha já chamado a atenção para a necessidade que a Europa tem de imigrantes e também para as práticas de exploração a que são sujeitos. “Precisamos desses imigrantes, mas o problema é que precisamos deles a dois euros à hora e a única razão por que eles aceitam esses dois euros à hora é porque não têm outra opção”, disse. “Não podemos ficar indignados por chegarem de forma irregular se não lhes oferecemos hipóteses de chegarem de forma regular”, sublinhou, denunciando a dependência de muitos sectores da economia de um “mercado laboral clandestino", assente na “exploração de imigrantes” em situação irregular. “Eles vão para a Europa porque sabem que aí há trabalho. Os países da Europa dizem: ‘Não temos empregos para os nossos próprios cidadãos, não podemos receber essas pessoas’ mas isso não é verdade. Há empregos. Há empregos mal pagos na agricultura, na construção, na hotelaria, ou a cuidar de idosos ou de jovens”, disse agora ao Guardian. Crépeau sugere a criação de vistos sazonais que permitam a imigrantes com baixas qualificações entrarem num país por um determinado período ao longo de vários anos, tendo de regressar à origem se não arranjarem emprego ao fim dos primeiros quatro meses e podendo voltar no ano seguinte. “Se forem criados incentivos, a imigração ilegal não terá a extensão que tem”, disse. “Não tenhamos medo da mobilidade. Mobilidade é aquilo de que precisamos.”

Campos de trânsito
A ideia tem sido vista com desconfiança pelos grupos de defesa dos direitos humanos, mas o ACNUR já admitiu prestar apoio a eventuais campos de trânsito em África, desde que “certas garantias” sejam asseguradas. Faltaria discutir essas garantias, as suas implicações e o destino seguinte dessas pessoas. “Depois da enorme tragédia de sábado … eu não seria totalmente contra campos de trânsito em países africanos, mas deve haver garantias de que as pessoas que estejam em condições de irem para países da UE [vão]” disse, ao Guardian, Christopher Hein, director do Conselho Europeu de Refugiados. Associada a esta medida deveriam ser melhoradas as condições de vida nos países de trânsito ou de “primeiro asilo”, como o Egipto, reforçando as estruturas de apoio a refugiados e as medidas de punição para traficantes de pessoas. No caso do Egipto, a mudança de Governo, em 2013, levou à redução das facilidades de acesso de refugiados sírios a escolas ou hospitais e a um aumento da xenofobia – o que se traduziu na partida de muitos. A braços com falta de fundos, o ACNUR também reduziu o seu apoio às famílias sírias.

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