Música clássica para todos, a um palmo do nariz

O festival de música de câmara Harmos Classical apresenta os melhores alunos das mais conceituadas escolas superiores de música da Europa em vários palcos do Grande Porto e de cidades próximas. A 9.ª edição termina este domingo na Casa da Música.

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No festival os alunos têm oportunidade de trabalhar num contexto profissional Fernando Veludo/NFactos
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22 anos é a média de idades dos músicos que participam nesta edição do festival Fernando Veludo/NFactos

Marília não foi a única a fazer planos pouco comuns para a hora do almoço. As cadeiras dispostas no hall da Câmara foram ficando todas ocupadas, com uma plateia (de quase todas as idades) atenta à prestação do Quarteto Costa, da lisboeta Academia Nacional Superior de Orquestra. Enquanto uns, de iPhone em riste, não se cansavam de tirar fotografias, outros refugiavam-se nos bancos ao fundo da sala, aproveitando o embalo das melopeias para dormitar, qual siesta improvisada.

“Os concertos ao almoço na Câmara do Porto são uma novidade desta edição e, pelos vistos, uma aposta ganha. Têm estado sempre cheios”, afirma Bruno Pereira, director artístico do Harmos e professor da Escola Superior de Música, Artes e Espectáculo do Porto (ESMAE), a entidade organizadora deste festival. O sucesso foi tanto que a autarquia quer passar a acolher concertos acústicos (e gratuitos) à hora do almoço, duas vezes por semana, feitos em parceria com a ESMAE, adianta ao PÚBLICO o vereador da Cultura Paulo Cunha e Silva. “É uma forma de dessacralizar o edifício onde está concentrado o poder local e transformá-lo num espaço aberto ao público, com conteúdos.”

Contra elitismos
Dessacralizar é também a palavra de ordem da equipa do Harmos. “Queremos acabar com a ideia de que a música clássica é uma coisa elitista”, diz Bruno Pereira. Para isso, e por isso, há concertos gratuitos e a várias horas do dia no Porto e em cidades próximas mais pequenas (Lousada, Barcelos, Espinho, entre outras); em escolas que nada têm a ver com música (como o ISCAP, Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto), em igrejas e em câmaras municipais, aproveitando para dar a conhecer o grande reportório da música de câmara dos períodos clássico e romântico, a par dos compositores dos séculos XX e XXI. “Há muitas pessoas que vêm pela primeira vez a um concerto deste género no Harmos. Temos conseguido atrair novos públicos e em números cada vez maiores de ano para ano”, acrescenta o director do festival.

Para o responsável, a música de câmara – que domina inteiramente o programa do festival – é uma via privilegiada para quebrar preconceitos e angariar novos ouvintes para os territórios da música erudita. “Por ter formações mais pequenas a tocar em espaços mais pequenos, a música de câmara é mais intimista do que as orquestras sinfónicas, por exemplo. Sente-se a respiração dos músicos, a interacção entre eles. É música a um palmo do nariz. Quando as pessoas percebem isso ficam viciadas.”

Que o diga Ana Neiva, arquitecta de 31 anos que esperava pela entrada em palco do Quarteto Costa. Está sempre atenta aos concertos de música de câmara que se fazem por cá, mas “infelizmente são muito poucos”. Sara Cymbron, estudante de violino na ESMAE, queixa-se do mesmo. “Aqui não há um circuito de música de câmara.”

Para a aluna de 20 anos, isso reflecte-se no manual de experiência dos jovens músicos portugueses, quando comparado com o dos colegas dos outros países presentes no festival (Alemanha, Áustria, Inglaterra, Suíça, Holanda…). “Em geral estamos bem, mas o nível dos grupos que vêm de fora é um bocadinho mais alto. Eles têm mais oportunidades de tocar fora da escola, de entrar em competições”, diz-nos nas escadas do ESMAE no fim de tarde de quarta-feira, pouco antes de começar o concerto dos belgas Impression Piano Trio, em representação do Koninklijk Conservatorium Brussel, uma das várias escolas internacionais que são parceiras do Harmos desde a primeira edição.

Músicos a sério
Uma das marcas distintivas destes concertos é o facto de serem protagonizados por estudantes e recém-formados, cuja média de idades, nesta edição, ronda os 22 anos. Não estamos, contudo, perante casos de amadorismo. “Pelo concerto que vi ontem, o nível dos músicos é muito bom”, elogia Manuel Dias, 70 anos, que na quinta-feira à noite estava sentado numa das cadeiras douradas da Sala 2 da Casa da Música (o único local do evento com entrada paga), a aguardar pelos noruegueses Ratatosk String Quartet. Para este quarteto de Oslo, em estreia no festival, participar é uma oportunidade para se sentirem “como músicos a sério”, para fazerem “a transição da escola para o meio profissional” e “para tocar para novos públicos”.  

São benefícios como estes que conferem ao Harmos cada vez mais crédito noutros países. Já estão, inclusive, agendadas duas edições internacionais: em Outubro no Brasil, em Santa Maria, Rio Grande do Sul, e no próximo ano em Leipzig, na Alemanha. Antes, no Porto, de 15 a 20 de Setembro, acontece o Harmos Plural, uma versão dedicada ao jazz, às músicas do mundo e a cruzamentos disciplinares.

Este edição do Harmos Classical termina domingo na Casa da Música, com concertos, às 21h30, dos portugueses Risoluto Quintet (ESMAE) e dos austríacos Stratos Quartett (Universidade de Música de Viena).

 

 

 

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