Mimalho e meio

Conhecem-se ao longe os meninos mimados: as meninas mimadas levam mais tempo. São aqueles a quem custa viver. São tão amados que acham que tudo o que fazem publicamente beneficia tanto os outros - que enchem a alma de vê-los viver, a fingir, estoicamente, que são como seres humanos - como eles se auto-prejudicam.

Como menino mimado que também sou tenho um olho com raio laser para detectar os mais mimados do que eu. Há um amigo meu - um homem bom e generoso, casado com uma menina ainda mais querida e mimada do que ele - que é o ne plus ultra do género.

Quando vivíamos em Lisboa partilhávamos um restaurante onde era difícil marcar mesa. Numa noite em que fizeram uma tarte aux pommes muito boa (esgotou logo e muitos ficaram a ver navios) guardaram-lhe uma fatia. Ele avisou logo: "não me dêem uma fatia grande que eu não como". Eu estava ao lado dele e ele explicou-me: "é que a minha mãe estava sempre a fazer-me tartes de maçãs e eu fartei-me, apesar de terem sido muito boas".

A tarte de maçãs daquela noite surpreendeu-o e ele comeu-a. Comentou, contrariado: "por acaso não estava má...".

Passados uns anos estávamos nós a saír, muito cedo mas já jantados, doutro restaurante ainda mais delicioso e ele perguntou-nos: "Já jantaram?". Quando confirmámos que sim, que tínhamos acabado o turno, ele desabafou, inconsolável: "Que sorte!"

Tratavam-no como um rei naquele restaurante e a comida não poderia ser melhor. Mas pronto: o tempo é tudo.

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