Putin apela ao regresso de capitais russos e promete crescimento económico

Discurso anual sobre o estado da nação marcado por elogios à "força nacional e ao patriotismo" do povo russo. Moscovo reforça desejo de aproximação à Ásia e à América Latina.

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Vladimir Putin anunciou uma amnistia para o regresso de capitais à Rússia Sergei Karpukhin/Reuters

Apertado pelas sanções económicas europeias e norte-americanas e também pela queda do preço do petróleo, o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, anunciou nesta quinta-feira uma série de medidas com vista a manter a economia do país à superfície, num discurso do estado da nação marcado por apelos à resistência patriótica do povo russo.

Como era esperado, a economia e a política externa dominaram as palavras que Vladimir Putin dirigiu às mais de mil pessoas presentes no Kremlin, entre representantes das duas câmaras do Parlamento, governadores regionais, membros do Supremo e do Tribunal Constitucional, líderes religiosos e figuras públicas de outros sectores da sociedade russa.

Se algum líder europeu ou norte-americano esperava um passo atrás, por mais pequeno que fosse, na posição de Moscovo em relação à crise na Ucrânia, ficou desapontado – não só o Presidente russo reafirmou tudo o que tem dito desde o início da crise como subiu a parada, ao introduzir no discurso público a expressão "Primavera da Crimeia", para descrever a anexação da península ucraniana pela Rússia.

"Não estamos apenas perante uma reacção nervosa dos Estados Unidos e dos seus aliados contra a nossa posição sobre os acontecimentos e o golpe de Estado na Ucrânia; nem mesmo em relação à chamada 'Primavera da Crimeia'. Tenho a certeza de que se nada disto tivesse acontecido, eles teriam inventado outro motivo qualquer para conter a capacidade de crescimento da Rússia", disse Putin, referindo-se às sanções económicas impostas pela União Europeia e pelos Estados Unidos nos últimos meses.

"Eles usam esses instrumentos sempre que vêem a Rússia a ficar muito forte. Mas é inútil usar a linguagem da força para falar com a Rússia", avisou.

Dias depois de o próprio Governo russo ter estimado que a economia do país poderá contrair-se 0,8% no próximo ano, o Presidente Vladimir Putin não passou ao lado do problema. Para forçar o crescimento – ou, pelo menos, para estancar as perdas –, os russos devem perceber que "as dificuldades criam novas oportunidades".

"Estamos preparados para enfrentar qualquer desafio e ganhá-lo", declarou Putin, salientando "a força nacional e o patriotismo" do povo russo.

Amnistia para regresso de capitais
Entre as medidas anunciadas destacam-se um congelamento dos impostos e das inspecções feitas sem aviso prévio a pequenas e médias empresas e uma amnistia para permitir o regresso de capitais ao país. Desde o início do ano, a Rússia viu escapar o equivalente a 81 mil milhões de euros, em grande parte devido às sanções impostas ao sector financeiro.

"Proponho o congelamento das actuais condições fiscais durante os próximos quatro anos, e uma amnistia total para o capital que volte a entrar na Rússia. Isto significa que as pessoas que legalizarem os seus recursos e as suas propriedades na Rússia terão a garantia de que não serão incomodadas pelos vários organismos, incluindo as forças de segurança; que não terão de enfrentar acusações criminais ou administrativas; e que não terão de responder a questões das autoridades fiscais", explicou Vladimir Putin, de acordo com a tradução feita pelo jornal The Moscow Times.

A ideia, disse o Presidente da Rússia, é "virar a página do offshore", que tanta dor de cabeça deu aos interesses russos em países como Chipre, cujo resgate do sector bancário, em 2013, provocou avultadas perdas.

"Deve ter ficado claro para os nossos negócios que eles não são valorizados e que podem ser burlados no estrangeiro. O lugar mais seguro para guardar o vosso dinheiro é a Rússia", disse Putin, como parte de um apelo mais abrangente ao sentido patriótico dos cidadãos russos.

"A qualidade e a escala da economia russa devem corresponder ao nosso papel geopolítico e histórico. Temos de escapar à armadilha do crescimento zero. Em três ou quatro anos, o nosso crescimento será superior à média mundial", prometeu o Presidente russo. Para isso, Vladimir Putin afasta um corte de relações com os países que impõem sanções à Rússia, preferindo pôr a tónica no reforço das relações com outras regiões, como a Ásia ou a América Latina.

Mas o que aconteceu à economia russa no último ano – da fuga de capitais à desvalorização do rublo em 40% face ao dólar – está intimamente ligado à crise na Ucrânia, que começou em finais de 2013 com os protestos contra o afastamento do então Presidente Viktor Ianukovich em relação à União Europeia, e que culminou com a anexação da Crimeia e a guerra no Sudeste da Ucrânia.

Mais do que negar as acusações de apoio aos separatistas pró-russos das autoproclamadas repúblicas populares de Donetsk e de Lugansk, Putin reafirmou o respeito pela soberania da Ucrânia.

"Todas as nações têm o direito inalienável de escolher o seu próprio caminho para o desenvolvimento. A Rússia sempre respeitou e sempre respeitará isso, que também se aplica à Ucrânia, à nação irmã ucraniana. Condenámos o golpe de Estado, a tomada do poder pela força em Kiev, em Fevereiro. Aquilo a que assistimos agora na Ucrânia, a tragédia no Sudeste, confirma plenamente que a nossa posição é a correcta", disse o Presidente russo.

Enquanto os líderes da União Europeia e dos Estados Unidos culpam a Rússia pela desestabilização da região, Moscovo acusa os governos ocidentais de "cinismo" e de instigarem a balcanização da Rússia. "Não há dúvidas de que eles adorariam ver-nos cair num cenário jugoslavo – com todas as consequências trágicas que isso teria para os povos da Rússia. Isso não aconteceu. Nós não permitimos que isso acontecesse", declarou Putin.

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