Proteger a costa entre Douro e Mondego pode custar 780 milhões de euros em 30 anos

Especialistas acreditam que a alimentação artificial das praias da Caparica pode resolver o problema da erosão no curto prazo e rejeitam a hipótese do chamado “fecho da Golada”. Mas há que pensar noutras soluções para o futuro.

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Alimentação artificial das praias da Caparica é solução, mas só no curto prazo Enric Vives-Rubio

A alimentação artificial das zonas costeiras entre os rios Douro e Mondego deverá custar, nos próximos 30 anos, entre 740 e 780 milhões de euros, e chegar aos 2300 milhões de euros em 2100. A estimativa consta do Sumário Executivo e Recomendações do relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho do Litoral (GTL), que sugere, entre outras medidas de defesa do litoral, a alteração das práticas de deposição de sedimentos nos portos de Aveiro e da Figueira da Foz.

No capítulo dedicado às estratégias de intervenção nos troços mais críticos, a equipa de especialistas coordenada pelo professor Filipe Duarte Santos alerta para o risco “especialmente elevado” de galgamento, inundação e erosão da costa entre a foz do Rio Douro e o Cabo Mondego. Os cálculos sobre o custo da manutenção desta linha de costa incluem as obras para evitar o rompimento da restinga protectora da Ria de Aveiro.

Além da alimentação artificial da costa, o grupo nomeado pelo Governo para apresentar soluções para o litoral sugere outra medida para travar a erosão costeira neste troço: a "transposição [deslocação] de sedimentos"  (de norte para sul) nas barras dos portos de Aveiro e da Figueira da Foz. “A manutenção de infra-estruturas portuárias em costas fortemente energéticas (…) tem tendência a perturbar a dinâmica do transporte de sedimentos provocando fenómenos de erosão (...) que têm custos significativos para outros sectores”, alertam os autores do relatório.

O GTL critica ainda a inexistência de estudos sobre a sustentabilidade económica dos portos comerciais, de pesca e de recreio náutico em Portugal, e sugere que seja posta em prática “com carácter de urgência” uma política nacional integrada de gestão de sedimentos nos rios, estuários, praias e de dragagens no sector portuário, articulada com a política de defesa costeira.

Câmara da Figueira critica
As recomendações do grupo – entregues na sexta-feira passada aos autarcas dos 55 municípios costeiros para que se pronunciem até 4 de Dezembro – mereceram já críticas por parte da Câmara da Figueira da Foz. “Quando o porto da Figueira está a desenvolver esforços para integrar uma rede europeia e ter acesso a financiamentos para poder expandir as suas infra-estruturas, vem um documento questionar a viabilidade dos portos. Mas não é uma prioridade nacional defender os portos?”, questionou a vereadora Ana Carvalho, citada pela Lusa.

O GTL considera também que os sedimentos dragados nos portos poderão ser “suficientes para minorar, ou mesmo anular, o défice sedimentar actual” no litoral entre os rios Minho e Douro. Nesta zona existem igualmente “várias situações de risco elevado”, resultantes da diminuição do caudal de areia debitado pelos rios causada pela construção de barragens.

Mais a sul, a zona da Costa da Caparica é outro ponto crítico de erosão. Os especialistas acreditam que é possível inverter este cenário no curto prazo através de acções de alimentação artificial das praias, como a que ocorreu este Verão. “Contudo, é provável que a médio (2050) e longo prazo (2100), com os efeitos da subida do nível médio global do mar, se crie novo défice sedimentar, com consequente recuo da linha de costa”.

Nesse caso, sugerem três hipóteses: continuação da alimentação artificial com maiores volumes de areia, relocalização dos edifícios localizados junto à orla costeira, ou ainda a fixação da linha de costa com obras pesadas, como a construção de um dique. O fecho da Golada (unindo o farol do Bugio à Cova do Vapor, construindo um dique), várias vezes apontado como possível alternativa, “poderia ter consequências muito negativas para a estabilidade do canal de navegação e a operacionalidade do Porto de Lisboa”, consideram.

Financiamento "insustentável"
Outro dos alertas deixados pelo GTL prende-se com a insustentabilidade do actual modelo de financiamento das obras de protecção do litoral. Os especialistas notam que entre 1995 e 2014 estas obras custaram 196 milhões de euros, mas só para reparar os estragos provocados pelos temporais do início deste ano foram gastos 23 milhões de euros, vindos do Orçamento do Estado ou de fundos comunitários. "Nos horizontes de médio e longo prazo não é economicamente sustentável considerar apenas a protecção pelo que será necessário adoptar progressivamente estratégias de acomodação e relocalização, assim como fontes de financiamento alternativas", recomendam.

O "recuo planeado" de infra-estruturas e habitações situadas em zonas críticas junto ao mar deve ser, segundo os especialistas, a "resposta prioritária". Para isso, sublinha Filipe Duarte Santos em declarações ao PÚBLICO, é preciso "envolver a população, fazer uma análise do custo-benefício e planear muito bem".

Segundo o relatório, a solução para a relocalização pode estar, por exemplo, na lei sobre o domínio público hídrico. “No limite, as parcelas de terreno identificadas em zonas de risco elevados seriam integradas no domínio público marítimo onde os valores indemnizatórios seriam negociados nos pressupostos que estas parcelas e o respectivo edificado não poderiam ser vendidos, transaccionados ou herdados”, sugerem, alertando que caso não sejam tomadas medidas deste tipo a gestão da zona costeira vai tornar-se “insustentável” para o erário público.

Na análise que fez, o grupo de trabalho concluiu que os dados existentes sobre a situação actual da costa são “claramente insuficientes” e por isso recomenda a criação e manutenção de um programa de monitorização da orla costeira, e a criação de uma “plataforma de conhecimento” que reúna todos os dados sobre o litoral.

O GTL considera “imprescindível” que uma instituição da administração central se assuma “plenamente” como responsável pela gestão integrada da zona costeira. Caso contrário, esta “continuará a fazer-se de forma deficiente, frequentemente de forma casuística, reactiva, inconsequente, e com custos médios mais elevados para o erário público”.

 

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