Em protesto, estudantes rejeitam que financiamento das universidades "caia sobre as famílias"

Alunos do ensino superior manifestaram-se nesta quarta-feira em Lisboa contra as políticas do governo para o sector

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Daniel Rocha

Queixam-se de falta de salas e de residências, de materiais degradados. De algumas aulas práticas que não acontecem porque não há, por exemplo, reagentes. De disciplinas que nem chegam a abrir inscrições, porque não há professores. Falam de colegas que deixaram de estudar por não terem dinheiro e consideram que os apoios para que isso não aconteça são insuficientes. Cerca de 200 estudantes do ensino superior de vários pontos do país juntaram-se em Lisboa para protestar contra o Orçamento de Estado (OE) de 2015. Acusam o Governo de desinvestir no sector e passar o ónus de financiar as universidades para os estudantes e famílias.

“Somos vistos como clientes que temos de pagar um serviço que é nosso por direito”, diz João Alves, 21 anos, dirigente associativo da Faculdade de Belas Artes de Lisboa, no 2.º ano, ainda no Largo do Rato e antes de os estudantes rumarem até à Assembleia da República. Valter Cabral, 23 anos, é presidente da Associação de Estudantes da Faculdade de Belas Artes do Porto. Está no 4.º ano e recebe uma bolsa de cerca de dois mil euros anuais: “Os meus pais estão desempregados.”

Os alunos seguravam cartazes, gritavam palavras de ordem. “Assim não pode ser, os bancos a ganhar e o ensino a perder”, “Governo, escuta, estudantes estão em luta”, “Basta de ataques ao ensino superior”, “Chumbamos estes políticos e este orçamento”, “Por mais e melhor financiamento e acção social escolar”, “Bolsas sim, propinas não, este governo não tem educação” foram algumas das mensagens que levaram para a rua.

“Cada vez mais vemos as condições do ensino superior deteriorarem-se e nós somos o futuro do país”, lamenta Tiago Fontes, 21 anos, estudante de Direito da Universidade de Lisboa.

Também para Valter Cabral, o Governo não tem tratado bem o sector: “E isso tem prejuízos a nível nacional. Há estudantes que têm vindo a abandonar o ensino superior. E os que frequentam também têm sido prejudicados, com falta de professores, de funcionários, de condições materiais.” Conta, por exemplo, que na Faculdade Belas Artes do Porto, “a partir das 17h só há um funcionário para cinco pavilhões”. Critica o facto de a tutela estar a provocar um “sufoco financeiro” nas universidades que “têm de se desenrascar para arranjar financiamento”: “[As universidades] devem ser sustentadas pelo OE e não pelos estudantes e pelas famílias.”

“Não podem continuar”
Mónica Fonseca, 22 anos, no 3.º ano da Educação Social e da direcção da Associação de Estudantes da Escola Superior de Educação do Porto, acrescenta: “Estes cortes no ensino superior não podem continuar.”

Para João Alves, os cortes “demonstram falta de respeito [do governo] pelos estudantes e pelas instituições”: “Em Belas Artes, em Lisboa, temos cavaletes degradados, materiais não actualizados, professores sobrecarregados. Há algumas disciplinas optativas que não podemos escolher porque não há professores”, diz, também considerando que este OE faz com que as faculdades sejam obrigadas a aumentar as receitas próprias, “o que cai em cima dos estudantes e das famílias”.

Ana Valente, a frequentar um mestrado em Ecologia na Universidade de Aveiro, alerta para os mesmos problemas: “Cada vez há menos aulas práticas, porque não há, por exemplo, reagentes. As cantinas não têm grandes condições. No Pólo de Águeda não há residências.”

Apesar de a Associação Académica de Coimbra não ter participado no protesto, justificando estar em conversações com a tutela e os grupos parlamentares sobre a revisão do regime de atribuição de bolsas e o financiamento do sector, Luís Silva, daquela universidade, marcou presença na manifestação. Levou para o protesto as mesmas queixas em relação à deterioração de condições materiais – falta de salas, por exemplo -, e a mesma convicção de fundo: “Não deve ser o estudante a financiar o ensino superior.”

Tal como tinha sido comunicado no Verão pelo Governo às instituições de ensino superior públicas, haverá, neste OE, um corte transversal de 1,5% nas transferências para as universidades e institutos politécnicos. Só nos três anos de período de vigência do memorando de entendimento com a troika, o sector perdeu 260 milhões de investimento do Estado.

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