Poder egípcio acusado de ter planeado morte de centenas nos protestos do Verão passado

Human Rights Watch denuncia "crimes contra a humanidade" cometidos na operação para desmantelar acampamentos de apoiantes de Morsi.

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Pelo menos 1150 pessoas morreram no dia 14 de Agosto de 2013 MOSAAB EL-SHAMY/AFP

A Primavera egípcia morreu e o golpe decisivo sobre as esperanças de democracia foi dado a 14 de Agosto de 2013, quando as forças enviadas pelo agora Presidente Abdel Fattah al-Sissi destruíram os acampamentos no Cairo onde os apoiantes da Irmandade Muçulmana protestavam contra o golpe que derrubou Mohamed Morsi. Uma investigação da Human Rights Watch concluiu que os militares agiram de forma “sistemática e intencional” e denuncia como possíveis crimes contra a humanidade a morte de centenas de manifestantes nesse dia.

Tudo de Acordo com o Plano é o nome do relatório divulgado um dia depois de as autoridades egípcias terem alegado razões de segurança para negar a entrada no país ao director da organização de defesa dos direitos humanos, Kenneth Roth. Uma retaliação antecipada por um documento que põe em causa a versão oficial dos acontecimentos naquele dia fatídico: o novo regime militar reconheceu que houve uso excessivo de força, mas insiste que a polícia e os militares responderam ao disparo de tiros feitos por apoiantes da Irmandade Muçulmana, que tinham armazenado nas duas praças ocupadas explosivos e munições.

Só na Rabaa al-Adhawiya, as forças de segurança mataram pelo menos 817 pessoas “um dos maiores massacres de manifestantes num único dia da história recente”, acusa Roth. A organização recorda que em 1989, na Praça de Tiananmen, entre 400 a 800 manifestantes foram mortos pelo Exército chinês numa repressão que durou quase 24 horas.

No Cairo, bastaram doze horas para as forças de segurança cercarem os milhares de manifestantes acampados em Rabaa e abrirem caminho entre a multidão com balas e tanques. “Isto não foi um mero caso de uso excessivo da força ou de mau treino [das forças de segurança]. Foi uma repressão violenta planeada ao mais alto nível pelo Governo egípcio”, argumenta o activista.

A HRW – que durante um ano entrevistou 200 pessoas e analisou horas de imagens gravadas por manifestantes e televisões – afirma que as forças de segurança usaram munições reais praticamente desde o início da operação e que os disparos foram efectuados de forma indiscriminada, pelas forças na praça e por snipers. Centenas de manifestantes morreram com um único tiro na cabeça, no pescoço ou peito, muitos quando tentavam fugir.

O relatório confirma que houve tiros disparados por manifestantes e que pelo menos oito polícias foram mortos, mas alega que “isso não justifica os ataques desproporcionados e premeditados contra manifestantes que eram maioritariamente pacíficos”.

Para sustentar a acusação de que a matança foi planeada, a HRW recorda que nos dias que antecederam o ataque vários responsáveis da junta militar admitiram que a operação poderia provocar milhares de mortos. Já depois do ataque, o então ministro do Interior, Mohamed Ibrahim, confirmou que as suas estimativas apontavam para a morte de “10% das pessoas” que estavam na praça – 20 mil segundo o Exército, 85 mil nas estimativas da HRW. Sissi, que era então ministro da Defesa e líder da junta militar, é apontado como “o principal arquitecto” da violência.

Além de Rabaa, as forças de segurança desmantelaram um acampamento mais pequeno, junto à Universidade do Cairo, seguindo a mesma metodologia. Quando o sol se pôs, nesse 14 de Agosto, pelo menos 1150 pessoas tinham morrido, a grande maioria apoiantes da Irmandade, o influente movimento islamista que, depois de ter vencido as primeiras eleições livres no Egipto, foi afastado do poder, desmembrado e declarado organização terrorista.

“Tendo em conta a natureza vasta e sistemática destas mortes e as provas que sugerem que fazem parte de uma política para usar força letal contra manifestantes maioritariamente desarmados por razões políticas, estas mortes constituem provavelmente crimes contra a humanidade”, concluiu o relatório que pede às Nações Unidas a criação de uma comissão internacional para investigar estes “assassínios em massa”.

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