Falta de médicos de família só deve ficar resolvida em 2016

Médicos dizem que "só quem não faz consultas" é que pode sugerir atendimento de doentes em 15 minutos.

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Doentes exigem isenção de taxas moderadoras para todas as doenças crónicas Foto: PÚBLICO

A situação está hoje pior do que em 2012, quando havia mais de 1,6 milhões de pessoas sem médico de família em Portugal, porque entretanto muitos profissionais sairam para a aposentação, afirma o vice-presidente da Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral, Rui Nogueira, que põe mesmo em causa “a seriedade” da auditoria do Tribunal de Contas (TC), quarta-feira divulgada e que faz uma série de recomendações sobre a reforma dos cuidados de saúde primários. Rui Nogueira prevê que só em 2016 será possível resolver o problema da falta de médicos de família no país.

“É um bocado triste que [os juízes] do Tribunal de Contas se baseiem em dados desactualizados e avancem com confusões e interpretações erradas”, disse ao PÚBLICO Rui Nogueira, para quem é “um absurdo”  sugerir que, se as consultas nos centros de saúde demorassem 15 minutos, em média, em vez de 21 minutos (como acontecia em 2012), seria possível dar médico de família a cerca de 2,5 milhões de portugueses.

No relatório do TC, que elenca várias hipóteses de trabalho para combater o problema da falta de médicos de família em Portugal, os juízes conselheiros fazem contas e concluem que a diminuição do tempo médio da consulta para apenas 15 minutos permitiria realizar mais 10 milhões de consultas por ano.  “Só quem não sabe o que é fazer consultas é que pode sugerir isso”, critica Rui Nogueira, que lembra que, além de serem muitos os doentes idosos nos centros de saúde, "cada vez mais há utentes informados e isso consome tempo”. Por que é que os juízes do TC não se preocuparam com o tempo que demora contratar novos médicos, pergunta.

Rui Nogueira critica ainda o facto de, na auditoria, os juízes terem destacado o facto de os médicos de família das Unidades de Saúde Familiar (USF) de modelo B poderem auferir cerca de 10 mil euros por mês, no máximo (com os suplementos e prémios de desempenho), enquanto os seus colegas das USF modelo A e dos centros de saúde tradicionais ganham menos cerca de 80%. “É especulativo, [na prática] ninguém ganha isso”, garante.

O presidente do Colégio de Medicina Geral e Familiar da Ordem dos Médicos, José Silva Henriques, manifestou também o seu completo desacordo com as conclusões da auditoria. “Que eu saiba não são médicos e, portanto, não fazem a mínima ideia do que é exercer medicina familiar no terreno”, disse à TSF. Os juízes do organismo tutelado por Guilherme de Oliveira Martins têm uma visão “puramente economicista e miserabilista” do sector da saúde, considerou.

Na auditoria, os juízes do TC recomendaram igualmente a revisão do despacho do Ministério da Saúde de 2012 que prevê a “limpeza” de utentes das listas dos médicos de família que não tenham contactos com os centros de saúde há mais de três anos. “Se o utente não está em contacto com o médico de família é porque não está interessado em ser atendido”,  e, por isso, “deve sair da lista”, contrapõe José Silva Henriques. Rui Nogueira concorda e diz que este método faz sentido, porque as pessoas são contactadas, antes de serem retiradas das listas e podem voltar quando quiserem.

Na auditoria, o que os juízes conselheiros contestam é o facto de continuar a  haver muitos  portugueses sem médico de família, além de porem em causa a não multiplicação de USF (equipas de saúde com autonomia funcional e técnica) ao ritmo que a própria troika advogou, no memorando de entendimento. O TC recomenda, pois, ao ministro Paulo Macedo que mande fazer um relatório “sobre o ponto da situação da realização de objectivos e metas” previstas no memorando, destacando que o número de utentes sem médico de família aumentou 24% em seis anos (entre 2006, quando arrancou a reforma dos cuidados de saúde primários, e 2012). Há aqui, sustentam os juízes, “uma falta de igualdade dos cidadãos no acesso aos cuidados de saúde”.  

O Ministério da Saúde discorda, como o PÚBLICO já tinha adiantado, da sugestão do TC de reduzir para 15 minutos o tempo das consultas médicas, preferindo o já realizado alargamento da lista de utentes por clínico. Segundos os dados do ministério, o número de utentes sem médico baixou de 1.838.795, em 2011, para 1.660.609 em 2012, e 1.332.425, em 2013. Rui Nogueira contrapõe que o número de utentes sem médicos de família está sempre a variar, devido à saída destes profissionais para a reforma.

Quanto à recomendação do TC para rever o despacho de 'limpeza' de utentes das listas dos médicos de família, pela inexistência de contactos durante três anos, o Ministério da Saúde esclarece que  "o processo de actualização das listas dos médicos de família não implica "riscar", "limpar" ou "excluir" quaisquer utentes do SNS".

 

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