Três em cada dez utentes esperam um mês pela consulta com o médico de família

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Fontes que pediram o anonimato disseram à Lusa que a lista de espera para cirurgia está "descontrolada", sobretudo em ortopedia PÚBLICO

Três em cada dez portugueses inquiridos pela associação Deco esperam mais de um mês pela consulta com o médico de família, enquanto em Espanha e Itália os doentes conseguem consulta numa semana, segundo um estudo divulgado esta segunda-feira.

A associação de defesa do consumidor Deco realizou, no final do ano passado, 3556 questionários sobre os cuidados de saúde primários a uma amostra da população adulta em Portugal, estratificada por sexo, grupos etários e região. Inquéritos semelhantes foram realizados em Espanha e em Itália.

De acordo com os dados recolhidos, depois de marcada uma consulta, três em cada dez portugueses esperam pelo menos um mês pelo encontro com o médico de família. Em Espanha e em Itália, nove em cada dez doentes conseguem resposta no prazo de uma semana.

Em Portugal, a região Centro é a que obteve melhor classificação, com quase metade dos inquiridos a indicar que obtém consulta na primeira semana. A região Norte é a que surge com maiores dificuldades, com 37% dos doentes a dizerem que esperam pelo menos um mês. Segue-se o Algarve (com 35%), Lisboa e Vale do Tejo (31%), Alentejo (28%) e o Centro (com 17%).

“A situação é idêntica à que detectámos em 2009, aquando do nosso último estudo”, refere a associação de defesa do consumidor. A Deco considera que o nível de satisfação dos consumidores com os cuidados de saúde primários tem vindo a aumentar nos últimos anos, mas frisa que o tempo de espera pelas consultas e o número de utentes sem médico de família “teimam em não descer”. “É preciso melhorar estes aspectos e promover a igualdade no acesso aos cuidados”, afirma.

Com base nos dados dos 3556 inquéritos da Deco, há um em cada dez utentes sem médico de família. O problema parece mais grave no Algarve e em Lisboa, onde 25 e 15% dos doentes, respectivamente, indicaram não ter médico. “A Sul, o número de inquiridos nestas condições duplicou nos últimos cinco anos”, indica o estudo.

Já a satisfação com o seu médico de família parece ser elevada, com seis em cada dez a indicarem estar “muito satisfeitos” com o clínico que os segue. Mesmo sem médico de família, a maioria dos inquiridos recorreu a serviços de saúde pelo menos quatro vezes no ano anterior ao questionário, com o sector público a ser o mais frequentado, sobretudo em consultas de medicina geral, serviços de enfermagem ou vacinas. Os privados ganham em especialidades como a estomatologia e a dermatologia. Numa análise ao recurso às novas tecnologias para marcação de consultas, a Deco conclui que há um crescimento, mas ainda longe de ser universal: só 10% dos inquiridos marcam consultas por correio eletrónico e 22% através da Internet.

Associação diz que os dados ainda vão piorar

Em reacção aos resultados, o vice-presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) afirmou à Lusa que os tempos de espera para uma consulta com o médico de família "ainda são muito prolongados", considerando que, nalguns casos, são mesmo "inadmissíveis".

Rui Nogueira disse ficar "satisfeito" com o facto de "os doentes gostarem mais dos seus médicos de famílias", mas "preocupado" com os restantes resultados do estudo. "Os tempos de espera são ainda muito prolongados, são tempos de espera muitas vezes inadmissíveis em certos casos e situações", sublinhou. O médico observou, ainda, que este estudo foi realizado em Outubro e que, desde essa altura, a situação piorou devido a algumas medidas do Ministério da Saúde. "Acredito que nesta altura a situação seja ainda pior, o que nos deixa ainda mais preocupados", lamentou.

O clínico explicou que a situação é mais grave, porque se está a atravessar uma "fase bastante difícil de falta de médicos de família". "Se as dificuldades fossem apenas a falta de médicos de família nós ainda conseguíamos superar, só que na verdade o Ministério da Saúde agrava ainda mais a situação com medidas avulsas, extemporâneas que nos deixam surpreendidos", frisou. E deu como exemplo uma portaria publicada na sexta-feira que "remete para os centros de saúde e para os médicos de família a obrigação de verem trabalhadores de pequenas e trabalhadores independentes para fazerem exames médicos do trabalho".

Rui Nogueira apontou ainda outras medidas que contribuem para a situação actual dos cuidados de saúde primários, como o atraso na contratação de médicos que se aposentaram, mas que estão disponíveis para continuar a trabalhar, e a abertura de concursos para médicos de família. Mesmo voluntariando-se para "trabalhar nestas condições" o Governo "leva meses até fazer essa contratação, o que é inadmissível e incompreensível". Por outro lado, o Governo "abriu um concurso para 200 médicos de família que não existem e não abre um concurso para 187 que terminaram o internato médico em 30 de Abril", acrescentou.

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