Relação exige fundamentos da absolvição dos técnicos de saúde no caso de cegueira de Santa Maria

Seis pessoas ficaram total ou parcialmente cegas em 2009, depois de lhes terem sido administradas injecções intraoculares. No ano passado, dois profissionais de saúde foram absolvidos dos crimes de ofensas corporais por negligência.

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Seis doentes ficaram parcial ou totalmente cegos depois de lhes terem sido administradas injecções intraoculares, supostamente com medicamento adulterado. enric vives-rubio

O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) remeteu à primeira instância o acórdão do caso conhecido como “cegueira” no Hospital de Santa Maria para que as Varas Criminais de Lisboa o reformulem e façam uma melhor fundamentação da decisão.

“Não mexendo na matéria de facto, a Relação de Lisboa entende que as Varas Criminais têm de justificar melhor o depoimento de três testemunhas. Ou seja, é pedido que o acórdão seja reformulado e que haja uma melhor fundamentação do mesmo”, explicou nesta terça-feira, à agência Lusa, Ricardo Serrano Vieira, advogado de um dos dois arguidos no processo.

Esta decisão do TRL surge na sequência do recurso interposto pelo Ministério Público, depois de a 7.ª Vara Criminal de Lisboa ter absolvido, em acórdão proferido em Junho de 2013, os dois profissionais de saúde julgados no âmbito do caso relacionado com a cegueira total ou parcial de seis pessoas no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, em Julho de 2009. Ricardo Serrano Vieira acrescentou que a primeira instância terá de marcar uma data para a leitura do novo acórdão.

No acórdão proferido a 28 de Junho de 2013, a 7.ª Vara Criminal de Lisboa absolveu o farmacêutico Hugo Dourado e a técnica de farmácia Sandra Baptista dos seis crimes de ofensas corporais por negligência, pelos quais estavam acusados pelo Ministério Público.

Seis doentes ficaram parcial ou totalmente cegos depois de lhes terem sido administradas injecções intraoculares, supostamente com medicamento adulterado.

Na ocasião, o colectivo de juízes considerou que “não houve negligência dos arguidos e que as causas de contágio do fármaco são possíveis”. Sublinhou também que “existem muitas variáveis no processo e opiniões diferentes de médicos e técnicos”.

O tribunal entendeu ainda que “a prova documental e testemunhal não permite identificar com rigor quem preparou o fármaco” administrado nos seis doentes, provocando-lhes a cegueira parcial ou total, “uma vez que os medicamentos eram preparados na véspera e ficavam várias horas num tabuleiro, podendo sujeitar-se a contágio”.

O colectivo de juízes destacou “a impossibilidade de se saber se houve troca de fármacos” e concluiu que “não se pode afirmar que foram violados pelos arguidos quaisquer regras procedimentais e de carácter obrigatório”.

O tribunal frisou que os arguidos não violaram quaisquer procedimentos, porque, à data dos factos — preparação do fármaco a 16 de Julho de 2009 e administrada no dia seguinte —, “não havia qualquer manual de procedimentos”, tendo este sido concluído já após o sucedido.

O acórdão apontou “fragilidades” no funcionamento daquele serviço e da farmácia hospitalar, observando que é “grave” não existirem normas que definam como devem ser ministrados os fármacos daquela unidade.

A 7.ª Vara Criminal acrescentou, na ocasião, que o Ministério Público jogou no “campo das probabilidades”, mas que o direito “não admite probabilidades” para condenar os arguidos e que, à data dos factos, só havia “instruções verbais” e não um manual de procedimentos.

Perante a “impossibilidade de saber se houve ou não troca de fármacos”, tendo em conta alguns afeitos que o Avastin pode causar nos doentes oftalmológicos e conjugada toda a prova testemunhal e documental, o colectivo de juízes absolveu os dois arguidos.

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