Mars One, os vendedores de sonhos marcianos

Uma coisa podemos ter a certeza: nenhum dos finalistas do projecto MarsOne irá pôr os pés em Marte.

A intenção deste empreendedor holandês é enviar primeiramente uma missão robótica não tripulada, em 2018, como missão de demonstração. Para isso assinou com o gigante aeroespacial norte-americano, Lockheed Martin, um contrato para a concepção de uma sonda de aterragem não tripulada e com a companhia britânica SSTL, a Satellite Surrey Technology Ltd, especialista em satélites, um outro contrato para a concepção de um satélite marciano geoestacionário para retransmissão de comunicações da sonda para a Terra e vice-versa.

Estes dois contratos são apenas para a concepção, faltando depois dinheiro para a execução, não estando definido, para já, quanto vai custar a sonda de aterragem e o satélite em órbita. A MarsOne tem em curso uma campanha de crowdfunding para esta missão, mas até agora ninguém apresentou uma estimativa dos custos finais para uma missão destas! No sítio da MarsOne existe uma imagem da hipotética sonda muito semelhante à da sonda Phoenix da NASA, que custou 282 milhões de euros, incluindo o lançamento. Será que é isto que a MarsOne espera recolher em crowdfunding, quando até hoje nenhuma campanha destas passou a barreira dos 30 e poucos milhões de euros?

Depois desta primeira fase é intenção de Lansdorp enviar uma segunda missão exploratória, em 2020, com um rover e outro satélite e, finalmente, em 2025, quatro astronautas para Marte. Antes da chegada dos pobres humanos, serão enviados, em 2022, alguns módulos para a superfície, que servirão de habitáculo para os futuros colonos. Depois da chegada da primeira tripulação, a cada dois anos, serão enviados mais quatro astronautas, até a população residente atingir 20 pessoas.

Existe uma enorme variedade de problemas associados a uma viagem destas e à permanência num ambiente hostil como é Marte, que estão longe de estar resolvidos. Nunca uma experiência em condições similares foi realizada na Terra que desse bons resultados, basta lembrar a famosa experiência Biosfera 2, que foi um fiasco. Também ninguém sabe que quantidade de gelo de água existe no subsolo marciano que possa ser utilizado por estas tripulações. Outro problema serão as necessidades energéticas desta pequena colónia, que não serão viáveis de satisfazer só com o recurso à energia solar.

Quanto aos custos de uma tal missão, são astronómicos e ultrapassam obviamente os 4400 milhões de euros, que a MarsOne pretende gastar. Há muitos anos que a NASA tem planos para missões tripuladas a Marte, especulando-se valores na casa dos 140-200 mil milhões de euros. Como é que agora aparece alguém a querer ir a Marte por uma trigésima ou quadragésima parte destes valores? Além dos custos subestimados, os desafios técnicos são imensos, como, por exemplo, fazer aterrar em Marte com precisão uma série de módulos habitáveis com massas superiores a qualquer uma das sondas actuais.

Para já, Bas Lansdorp pode sorrir. Teve 200 mil candidatos, na primeira fase, alguns portugueses que nem disseram nada à família para não deixar ninguém preocupado. Teve também muita publicidade mediática sem desembolsar um euro, o patrocínio de algumas empresas importantes que dão uma aura de credibilidade ao projecto e alguns milhões de euros para manter o seu escritório na Holanda a funcionar, além de um contrato com a Darlow Smithson Productions (DSP), pertencente à Endemol, para filmar em formato de reality-show a selecção e formação dos primeiros concorrentes a futuros astronautas. Entre os 705 candidatos escolhidos para a segunda fase, estão três portugueses que sonham com uma ida ao planeta vermelho. É pena que nunca cheguem a pôr os pés nas areias de Marte. Quando descobrirem que o rei vai nu, já Lansdorp anunciou ao mundo que a ideia era boa, mas que não arranjou dinheiro para ir ali ao lado.

Divulgador de ciência

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