Seguro inovou e arriscou. E agora?

Torna-se necessário centrar o debate na substância, evitar querelas e fulanizações.

1. O secretário-geral (SG) do Partido Socialista surpreendeu tudo e todos, sábado passado, no Vimeiro, ao apresentar propostas “revolucionárias” para mudar o sistema político e partidário com franca abertura aos cidadãos, o reforço da ética e da transparência e do combate à corrupção.

Entre as medidas concretas anunciadas salientam-se: realização de eleições primárias para a escolha do candidato do PS a primeiro-ministro nas próximas eleições legislativas; revisão da lei eleitoral com redução do número de deputados, a criação de círculos uninominais e a faculdade de os eleitores escolherem não só o partido no qual votam, mas, também, os candidatos da sua preferência; adopção de um código de ética para os militantes e dirigentes do Partido Socialista; e o reforço das incompatibilidades combatendo, designadamente, as situações de promiscuidade no trabalho para o Estado dos grandes escritórios de advogados, consultores financeiros e outros.

Estas medidas têm um elevado potencial de regeneração e revitalização da vida democrática, respondendo à urgência que resulta da manifesta perda de representatividade do regime, do ostensivo afastamento dos eleitores e da falta de confiança dos cidadãos na política e nos políticos, como demonstram os sucessivos actos eleitorais e todos os estudos de opinião. António José Seguro (A.J.S.) inovou ao colocar na agenda política e no debate público e partidário medidas nucleares de mudança que há muito se faziam esperar.

2. Por outro lado, ao propor a António Costa (A.C.) a disputa da candidatura através de eleições primárias abertas, em vez de se demitir para viabilizar um congresso electivo, e anunciando, simultaneamente, eleições para as federações distritais, A.J.S. arrisca politicamente. Ao contrário do que diz a narrativa dos seus adversários e a imagem instalada na opinião pública de que Seguro não se demite e “refugia-se nos estatutos”, por estar “agarrado ao poder”. Há aqui um estranho paradoxo: então não é A.J.S. que tem o controlo do aparelho partidário e o apoio maioritário das federações, que cultiva ligações privilegiadas e “seculares” aos militantes, enquanto A.C. é dado como “mais popular no país”?   

É óbvio que Seguro teria vantagens pessoais fazendo esta disputa em congresso, com o actual statu quo partidário. Mas, desta vez, Seguro surpreendeu ao pôr de lado os clássicos tacticismos, introduzindo mudanças estratégicas para o sistema político e partidário, para o futuro da democracia. Seguro inovou, surpreendeu e arriscou. E agora?

3. O debate sobre eleições primárias para a escolha dos candidatos do PS aos cargos de representação política – eleições autárquicas, regionais, legislativas, europeias e presidenciais – tem uma longa história que não cabe, obviamente, aqui fazer. Contudo, é conveniente sinalizar, nesta ocasião, resumidamente, os principais episódios e protagonistas.
 

No início dos anos 90, Álvaro Beleza, actual secretário nacional do PS, apresentou, pela primeira vez, uma proposta nesse sentido. Há cerca de três anos, foi Francisco Assis, no âmbito da disputa da liderança com António José Seguro, que avançou com a proposta de “introdução de eleições primárias em que participem militantes, simpatizantes e eleitores, para o efeito registados.”

Entretanto, há outros protagonistas, menos mediáticos mas mais persistentes, da luta pela adopção de primárias abertas a militantes e simpatizantes no Partido Socialista. Eu próprio tenho participado nesse combate, com dezenas de outros camaradas, desde 2002, primeiro no âmbito do Clube Margem Esquerda, depois através da Corrente de Opinião Esquerda Socialista (COES), com a apresentação reiterada de propostas a todos os congressos nacionais desde então realizados. E batemo-nos, firmemente, pela adopção de primárias no processo da revisão estatutária aprovada em Março de 2012. No congresso da Feira, em Abril de 2013, ao insistirmos nas primárias abertas, afirmávamos: “O PS precisa de um choque de cidadania para acabar com as querelas de aparelho”. No documento Governar Portugal, Revitalizar a Democracia entregue ao SG, em Março passado, a Corrente de Opinião destaca as primárias num conjunto de propostas para “revitalizar a democracia representativa e valorizar a Assembleia da República”.

4. Aí está a oportunidade de fazer avançar estas cruciais reformas com a força que lhes é dada por partirem de proposta do próprio SG. Nas actuais circunstâncias, esta é uma reforma muito virtuosa: posiciona o PS como agente de inovação e mudança, como partido de alternativa e não como a tradicional alternância; reforça o prestígio e o peso político do candidato a PM, alargando a influência eleitoral do PS.

Torna-se necessário, agora, centrar o debate na substância, evitar querelas e fulanizações, definir calendários realistas e estabelecer procedimentos consistentes e transparentes. Num partido de opinião plural como é o PS, há que concertar posições, tecer compromissos, fazer funcionar a democracia. Avançando de forma segura mas enérgica para o que realmente interessa: consumar a alternativa a este Governo de desgraça nacional, devolvendo a palavra e a esperança aos portugueses, e abrindo um novo ciclo de prosperidade e progresso para o nosso país.

Membro da Comissão Nacional e da Comissão Política do Partido Socialista

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