"Não é possível refazer no tribunal todo um clima de trabalho e de opções"

Jorge Jardim Gonçalves, o fundador e ex-presidente do BCP, critica o papel dos supervisores do caso BCP.

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Jardim Gonçalves Miguel Manso

Quando sentiu o apelo da religião?
Desde pequeno. Eu fui educado na fé. 

E na Opus entra quando?
Já eu era velho quando exilado em Madrid. Quando chegámos, imaginávamos os filhos em escolas públicas e, quando estamos à procura, disseram-nos que em Espanha a percentagem de ensino público em relação ao privado era baixa. Nos encontros de casais da Igreja procurámos saber de colégios com boa formação e disseram-nos que os melhores eram os de Fomento, mas muito caros. Eu fui ganhar 36 mil pesetas e os colégios custavam 20 mil pesetas.

E eram da Opus Dei?
Não. Mas tinham a assistência. E aí é que conhecemos o Opus. Estamos a falar de 1976.

Portanto foi nessa altura para um centro de poder...
Não é um centro de poder.

Como não é um centro de poder? É uma teia em que se articulam interesses e ligações, de contactos, como na Maçonaria...
Não é verdade. A Maçonaria é uma organização, a Opus é uma prelatura do Santo Padre. É a Igreja. Não pode ter olhos fechados.

Qual foi a necessidade de aparecer como um banqueiro com vida de luxo: carros blindados, helicópteros, aviões...
Luxo? Helicópteros só com a Nova Rede e os carros blindados só depois da compra do Atlântico.

A questão é: para quê?
Eu não tinha agenda. Estava em 12 países. Não tenho uma noite dormida fora por lazer. Acabava a reunião e vinha-me embora. E os carros blindados? Porque tive ameaças. 

Mas os banqueiros sentem-se ameaçados?
Sei que o Ricardo Salgado anda agora de carro blindado e com segurança. Eu a partir de 1996 passei a ter. O conselho superior e o conselho de administração decidiram que eu não podia correr riscos. Eu recebi cartas com balas dentro. Depois do Atlântico e depois do BCP, em 2008 e 2009. Tive ameaças de vida.

Mas enquanto homem da Opus Dei...
Católico.

... nunca sentiu desconforto por viver uma vida de luxo...
Era uma vida equiparável à de todos os meus colegas. Eu nunca tive iates, não fiz férias em Monte Carlo. Eu usava os meios de transporte rápido como forma de cumprir as agendas. E não estou arrependido, o banco ganhou muito. O banco perde muito quando um presidente para ter uma reunião de três horas gasta dois dias.

O que diz ao facto de o Presidente da República, Cavaco Silva, ter ido à China num voo comercial da Emirates e ter demorado 24 horas?
Não lhe faz falta o tempo.

Nunca contratou alguém por ser da Opus?
Não.

Nem Paulo Teixeira Pinto?
Não. Ele não foi discriminado por ser da Obra. Eu o Pinhal e o Beck, falámos com 70 pessoas antes de o escolher e nenhuma era da Obra. E toda a gente aplaudiu a escolha de Paulo Teixeira Pinto.

O que se disse na altura era que ele tinha a mesma forma de pensar do presidente do BCP.
Não tinha nada. Viu-se o resultado.

QuandoTeixeira Pinto foi eleito para o substituir, o BCP era um centro de poder?
Mas conquistado. O dr. Mário Soares apresentou-me, um dia (final dos anos 80), ao Rei de Espanha e disse: este é o presidente do maior banco português. E porquê? O BCP teve o grande mérito de começar com 0% de quota de mercado e chegar a 8%, apesar da campanha do Espírito Santo e do Sotto Mayor, que diziam que a Nova Rede [a marca inicial de retalho do BCP] não era um banco. E é o Filipe Pinhal que sugere que eu visite as agências, pois as pessoas tinham medo de meter na Nova Rede o dinheiro dos familiares emigrantes. Foi aí que eu comecei a andar de helicóptero e a aterrar nos campos de futebol. E nos dias seguintes as pessoas iam abrir contas e é quando alcançamos a quota de mercado de 14%. E fomos crescendo com as OPA ao Atlântico e ao Sotto. O poder do BCP foi conquistado, ninguém nos fez favores.

O que se passou com Paulo Teixeira Pinto?
Ele mudou de comportamento quando assumiu o poder. A viragem que houve no BCP não foi por ele ser da Obra. Está bem explicado que assim que assumiu a presidência alterou as orientações. E foi comunicar ao conselho superior que em três anos ia dobrar o valor patrimonial do banco… O que levou o conselho superior a dizer-lhe que ninguém lhe pedia isso. Dissemos-lhe: “Por favor, não diga isso, pois o banco nunca anunciou coisas que não pode fazer.” Mas às 17h00 já ele estava a anunciar aos jornais essa intenção.

Esse foi o primeiro sinal de que a coisa podia descarrilar?
Sim. Pensei: "Pode ser que ele tenha aqui um trunfo." Mas se eu o travasse, diziam que era o velho a travar o jovem. 

Esperava que ele se autonomizasse de si?
Não foi de mim. Foi do banco. E a certa altura ele criou uma estrutura que quebrou o conselho de administração.

Se se encontrar com Paulo Teixeira Pinto, vira-lhe as costas?
Cumprimento-o. Ele esteve dez anos no BCP sem qualquer problema, nunca detectei qualquer sinal de conflito. A tal ponto que ele é o escolhido e todos o aprovam. Isto, até ele querer afastar cinco deles.

Na guerra do BCP quem o surpreendeu pela positiva?
Sem dúvida o senhor António Gonçalves [dono da Têxtil Manuel Gonçalves] e João Alberto Pinto Bastos, mas também Gijsbert Swalef [Eureko].

E negativamente?
Francamente os reguladores, desde logo Vítor Constâncio e depois Carlos Tavares. E o ministro das Finanças Teixeira dos Santos, que, antes mesmo das investigações e quando se apontou para as falhas na supervisão, veio dizer que não se devia andar atrás do polícia, mas dos ladrões [uma menção à equipa de Jardim]. Os três tinham responsabilidades de supervisão do sistema e no governo do país. E nenhum deles detectou, ou procurou detectar, a origem dos investimentos feitos no BCP no âmbito da guerra accionista... E deviam tê-lo feito...

Este livro é um lançar de farpas ...
Acha que sim... Não leu nada. A quem?

A António Mexia...
Não valia a pena puxar das memórias para não dizer a verdade.

Classificou o presidente da EDP de spin doctor, um homem de vários ministros, uma eminência parda. Não lhe conhece méritos como gestor?
Não sou a primeira pessoa a dizer que o dr. Mexia foi importante no cerco ao BCP. 

Também acusa o presidente da TD, Pedro Teixeira Duarte, cunhado de uma filha sua, de “falta de ética”, de falta de carácter, de ter “perdido bom senso”.  
Pode ser que agora tenha recuperado.  

Surpreende que no seu livro faça referências suaves a Ricardo Salgado a quem Filipe Pinhal faz acusações fortes...
... mas eu falo. Falo que o BES apoiou o movimento de cerco ao BCP para esmagar um concorrente. E deu crédito para a compra de acções do BCP.

E como é que olha para os problemas que o GES hoje enfrenta?
Estou fora do sistema...

Mas sente-se vingado com o que está a acontecer?
O que está a acontecer prejudica o país. Mas todo o sistema financeiro está ferido. Os CoCos foram uma cedência violenta, porque não eram necessários. A solidez de um banco não é rácio de capital só. Para quê exigir um rácio de capital de 11% ou 13%?

Para dar confiança aos clientes e investidores.
A confiança vem pela qualidade dos activos.

Voltando ao GES. Não vê semelhanças com o que aconteceu no BCP?
Não. Não está ninguém a querer conquistar o BES. E no BCP queriam controlar o BCP. O Teixeira Pinto, percebendo que o conselho superior não lhe dava apoio para a tal estratégia do logro, que eram as compras, na Roménia, na Croácia, resolveu mudar a geografia accionista e procurou uma série de senhores que se endividaram para tomar posições e mudou o poder. E tanto quanto eu sei no BES ninguém está a tentar tomar o poder. O que apontam ao BCP [nos processos] são coisas inventadas. A CMVM inventou que foram criadas off-shores porque o banco precisava de capital e não o tinha. É falso! O Pedro Guerreiro disse isso há dias e eu escrevi-lhe um cartão. As tais off-shores não foram a nenhum aumento de capital. E porque é que não foram? Não sei. Eu não tinha qualquer interferência nelas. Nunca dei crédito no banco. Está no processo.

O que diz à crítica de que não aparece ligado a nada, mas está pode detrás de tudo.
Ninguém diz isso. Não houve uma única pessoa em tribunal que o tivesse dito. A questão é que só se escreve a acusação... Repare que as acusações vão caindo.

Alguma coisa houve, caso contrário não haveria três processos e com condenações em tribunal...
Não é verdade. E a prescrição não ocorreu por recurso meu. O juiz do processo do Banco de Portugal [BdP] absolveu-me contra a contra-ordenação e, quando o juiz absolve, o BdP recorre e durante esse tempo a prescrição acontece. Eu não fiz nada para alongar o processo e o senhor primeiro-ministro [Passos Coelho] está enganado quando diz que a qualquer outra pessoa não acontecia a prescrição. E as acusações que me foram feitas vão sendo reduzidas...

Mas já foi condenado a dois anos de prisão com pena suspensa.
O Ministério Público pedia 10 milhões de euros e a sentença fixou em 600 mil euros e num contexto em que já caiu a acusação do plano, estes senhores juntaram-se para fazer uma série de coisas. Desapareceram as de burla e de falsificação de contas.

Mas ficou a manipulação de mercado…
Ficou por este critério: introduzir as perdas potenciais nas contas desse ano. Coisa que o BdP nunca sugeriu e nunca disse ao BCP que as contas estavam erradas. Acredito que no recurso para a Relação nos dêem razão. As acusações do BdP e da CMVM [Comissão do Mercado de Valores Mobiliários] não têm consistência, só têm por serem recorrentemente repetidas. Neste momento, o que os reguladores mais querem é que não haja uma decisão, já estamos condenados. A parte das multas não é relevante; o que os reguladores pretenderam no contexto de cerco ao BCP era que estes senhores saíssem do sistema. O que era importante era a inibição, afectar o bom nome. E depois aparece o BPN e o BPP. E a isso só o BdP e a CMVM podem responder.

As acusações e condenações foram uma humilhação para si?
Temos de saber viver neste clima, em que é possível argumentar, mas não é possível refazer no tribunal todo um clima de trabalho e de opções. E temos de aceitar as decisões... Só podemos argumentar, continuar a argumentar...

O que se passou com o crédito dado ao seu filho que o obrigou a pagar 14 milhões de euros ao BCP?
Eu não tinha nada que saber da vida do meu filho. E o crédito era dado não a ele pessoalmente, mas às empresas onde havia outros sócios, que nunca foram chamados ao banco. E tornou-se uma questão porque havia um Jardim Gonçalves na empresa.

Porque pagou então a dívida das empresas?
Não paguei a dívida, comprei os créditos e tenho o direito de um dia poder ir sobre o património dos sócios e pedir algum desse dinheiro. E há pelo menos um deles que tem bastante e não seria inútil. Por que é que comprei os créditos? Por que não queria de maneira nenhuma que a minha relação de excelência com o banco, criado sob a minha liderança, fosse afectada por dúvidas de que pudesse ter havido uma influência num benefício. E por isso comprei os créditos.

No seu livro refere os encontros com José Eduardo dos Santos, que se tornou uma figura incontornável. Que imagem guarda do Presidente angolano?
É um senhor com muito mundo e com estudos amadurecidos [engenheiro petrolífero], que não frequentou uma universidade não qualificada. Um líder, sem dúvida. Alguém com um projecto para Angola.

Como avalia os investimentos que têm sido feitos em Portugal por capitais angolanos (BCP, Zon), brasileiros (Cimpor) e chineses (EDP, REN, Caixa Seguros)...
Não os classifico de investimento estrangeiro, mas de transferência de riqueza.

É bom ou mau?
Nem bom, nem mau. Só que não são investimento estrangeiro. O termo usado está incorrectamente aplicado.
 

   

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