Filmes para um júri "feminista"?

Ainda faltam alguns dias para as decisões finais do júri de Cannes. Mas o jogo da adivinhação já está em curso.

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Le Meraviglie, de Alice Rohrwacher, é um filme belíssimo DR

Começa o passatempo, o ritual de tentar adivinhar os gostos do júri, algo que diz mais sobre quem adivinha do que sobre quem vai ter a última palavra. A narrativa tem sido esta: a um júri presidido por Jane Campion, classificada como “feminista”, e que é maioritariamente feminino (e elas são, ainda, Carole Bouquet, Sofia Coppola, Leila Hatami, Do-Yeon Jeon; eles são Willem Dafoe, Gael Garcia Bernal, Jia Zhangke e Nicolas Winding Refn), vai agradar Le Meraviglie, de Alice Rohrwacher.

É verdade, é uma cineasta, as personagens fortes são do sexo feminino, o romantismo é transgressivo e letal, sim, Campion pode reconhecer. Mas… este exercício de adivinhação corre o risco de ser sexista, de interiorizar a regra de quotas. (O filme italiano é belíssimo, contudo; o melhor visto até agora em concurso).

O outro título que se tem sugerido que Campion colocará no seu regaço é Still the Water, de Naomi Kawase, a terceira vez que a japonesa de 44 anos entra em competição em Cannes. É uma experiência sensorial, sobre a iniciação à idade adulta e à morte, com a natureza a falar, a sinalizar uma espécie de SPA salvífico. Kawase fez Still the Water depois da morte da mãe adoptiva. É certamente um objecto delicado. “Sensível”, como se diz. Mas os stills de Still the Water podiam pertencer a um diaporama com intenções terapêuticas. É a experiência de alguma lassitude.

Cansa Lost River, de Ryan Gosling. Na sua estreia na realização, exibido em Cannes na secção Un Certain Regard, o actor usa e abusa da natureza (e da música e das cores) para exercitar um cabaret macabro. O exibicionismo, nesta história de uma família que habita uma cidade que está a desaparecer e que passou a ser o sítio onde os monstros vivem, não se disfarça. A alma gémea de Nicolas Winding Refn, realizador que construiu o perfil de poster boy do actor, tem ganas de mostrar o que vale. Não é claro, por Lost River, que haja talento de cineasta em Gosling ou se é uma enorme dose de voluntarismo e a oportunidade para despejar o que viu à sua volta. Para já, muitos desistiram do grotesco, abandonaram a sala.

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