A crise acabou, a crise regressou?

Em toda a Europa do Sul, formal ou informalmente intervencionada, as oposições falam de crise e os governos de saída. As oposições mostram-nos o desemprego existente e os governos as taxas de juro da dívida actualmente praticadas. A pergunta fundamental não é "como estamos?" mas sim "algo mudou?"

Em primeiro lugar, falemos do contexto do mês de Maio de 2014. Neste mês acontecem eleições europeias e, como nos mostram as actualizações semanais de sondagens do Projecto Pollwatch 2014 da London School of Economics e do Trinity College, os governos dos 28 estados da União têm maior probabilidade de obter menos deputados do que as oposições – excepto quando governam em grandes coligações.

Maio é também o mês em que uma nova (a)normalidade se instalou no leste Europeu, pois com a crise na Ucrânia os fluxos de dinheiro investidos a leste estão a migrar para a zona euro em busca de segurança e rentabilidade.

No entanto, fruto das declarações da reserva federal americana sobre a possibilidade de alterar a sua política actual, o aumento de procura de investimento em títulos da dívida pública europeia da zona euro já se havia iniciado há algum tempo – e a preferência vai para os títulos que pagam mais rendas, isto é, os portugueses, irlandeses, espanhóis, italianos, gregos e não os alemães.

No essencial, o que é preciso entender é que o aumento da procura de dívida europeia de países do euro "em saída" ou "em vias de saída" dos planos de intervenção externa faz baixar o valor das taxas de juro.

Como sugerem diferentes analistas, as dívidas públicas dos países do euro são um investimento seguro, não por causa da melhoria económica dos países ou por via da aplicação de reformas estruturais, mas porque o BCE e o seu Presidente asseguraram que elas o são porque o BCE assegura que sim, que são.

Em terceiro lugar, este mês de Maio é também o momento de fim de ciclo para os actuais equilíbrios institucionais e pessoais da União Europeia.

Os equilíbrios existentes entre Comissão e Banco Central Europeu (BCE) vão mudar e neste momento quem sai, o Presidente da Comissão e as suas equipas, querem deixar uma imagem de missão cumprida porque os problemas ficaram resolvidos.

Por sua vez, o Presidente do BCE quer mostrar também que tudo está resolvido na Crise do Euro e que tal solução se deve a si, porque isso lhe dará mais poder perante o próximo Presidente da Comissão.

Os Governos, a Comissão e o BCE todos têm diferentes razões para quererem demonstrar que tudo regressou à normalidade.

Os Governos precisam da normalidade para ganharem disputas eleitorais; a Comissão e o seu Presidente necessitam da normalidade para deixar a sua marca histórica na Europa; e o BCE e o seu Presidente necessitam de reafirmar o seu poder perante os candidatos a próximos comissários e Presidente da Comissão.

Daí, que também todos estes protagonistas tenham interesse, por motivos diferentes, em reunir num dos países intervencionados, neste caso em Portugal, e também no próprio dia do acto eleitoral europeu.

As consequências para o acto eleitoral português da reunião promovida pelo BCE são diminutas, mas não o são para os diferentes protagonistas. E, por isso, esta conferência existe e realizar-se-á em Sintra no dia 25 de Maio.

Na realidade nos países intervencionados muita coisa mudou, aplicaram-se medidas presentes nos planos de intervenção, mudaram-se lógicas do exercício da democracia, por exemplo, como no caso Italiano quando se introduziu a prática dos governos tecnocráticos. Mudaram-se leis, mudou-se o funcionamento da administração e estabeleceram-se apoios ao sistema financeiro. Experimentou-se de tudo um pouco para perceber se resolvia ou não os problemas.

No entanto, no cômputo geral não há nenhum país onde as pessoas tenham passado a estar melhor. Ou seja, onde em termos de rendimentos, saúde, educação ou democracia as coisas tenham evoluído positivamente.

Houve mudança nos países intervencionados mas, na perspectiva dos cidadãos, todos os Eurobarómetros demonstram que a insatisfação face à vida em geral, à economia, emprego e confiança na política continuam em baixos históricos, mesmo que a confiança dos consumidores tenha crescido.

O grande problema Europeu é que, como a criação de riqueza descolou da vida normal das pessoas (da economia e do emprego) e passou para os fluxos do investimento de fortunas, o que melhora é o sistema financeiro e o que piora é a vida das pessoas.

Se esta hipótese for comprovada, o que isto quer dizer é que ambos os governos e as oposições têm razão. Os governos têm razão em dizer que o sistema financeiro está mais normalizado (mas não saudável) e as oposições têm razão quando dizem que a vida das pessoas está pior.

É certo que os governos precisam de governar para o médio prazo e que não podem responder imediatamente a todos os desejos e pedidos que os cidadãos fazem, mas quando em todos os países europeus intervencionados a opinião é negativa, é difícil argumentar que se teve sucesso.

Pelos vistos, será em torno desta realidade bipolar que as eleições europeias se jogarão em 28 países Europeus no dia 25 de Maio. 

A crise não acabou e, portanto, não regressou, apenas se limita a estar presente na vida dos cidadãos mesmo que no sistema financeiro já se possa respirar mais fundo sem doer tanto.

Docente do ISCTE-IUL em Lisboa e Investigador do Centre d'Analyse et Intervention Sociologiques (CADIS) em Paris

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