Tentilhões das Galápagos matam parasitas com bolinhas de algodão

Bastou um grama de algodão embebido num insecticida vulgar para erradicar quase todas as larvas de moscas parasitárias que infestam os ninhos das aves.

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Uma das 14 espécies de tentilhões de Darwin, que vivem nas Galápagos Sarah A. Knutie
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Uma das redes com algodão da experiência Sarah A. Knutie

Que ninhos são os melhores a eliminar pragas que sugam o sangue das crias e das suas mães? Uma equipa de cientistas que procura ajudar aves ameaçadas das ilhas Galápagos a sobreviver a uma praga de parasitas submeteu essa pergunta a testes – e o resultado é a descrição, na revista Current Biology, de um novo método que ajuda os tentilhões de Darwin a combater as larvas de moscas responsáveis pela morte de numerosas crias das famosas aves que inspiraram Charles Darwin na sua teoria da evolução através da selecção natural.

Os cientistas colocaram bolas de algodão tratadas com um insecticida perto do local onde as aves estavam a construir os seus ninhos. As aves apanharam bocadinhos de algodão com os bicos e incorporaram-nos nos ninhos, matando assim as larvas das moscas mas sem que o insecticida fizesse mal às aves ou às suas crias, relataram os investigadores na revista.

O insecticida é a permetrina, usado para matar os piolhos e as lêndeas na cabeça das pessoas. Também mata moscas da espécie Philornis downsi, que foi introduzida, aparentemente sem intenção, nas ilhas Galápagos e tem estado na origem do declínio das populações de tentilhões de Darwin, incluindo das duas espécies em risco de extinção.

“Historicamente, este parasita não se encontra nas ilhas Galápagos, por isso os tentilhões de Darwin não tiveram tempo de criar defesas contra ele”, diz o investigador sénior do estudo, Dale Clayton, professor de biologia da Universidade do Utah, nos Estados Unidos. “Nalguns anos, 100% das crias morrem como consequência directa dos parasitas. É crucial encontrar uma maneira de ajudar as aves a controlar os parasitas.”

Provavelmente, as moscas vieram a bordo de navios ou aviões que chegam às Galápagos e percebeu-se que eram um problema em 1997, quando começaram a aparecer em grande número. Todas as aves terrestres das Galápagos estão infestadas por estas moscas, incluindo a maioria das 14 espécies de tentilhões de Darwin. As moscas põem ovos nos ninhos das aves. Quando os ovos das moscas eclodem, as larvas alimentam-se do sangue das crias e das suas mães.

Encontrar um método que controle as moscas tornou-se uma prioridade para os cientistas estudam as aves das Galápagos. “Actualmente, não existe nenhum método que combata eficazmente os parasitas”, refere Sarah Knutie, estudante de doutoramento da Universidade do Utah e a principal autora do estudo.

“Sentada no alpendre”
A ideia de ajudar as aves a ajudarem-se a si próprias surgiu de uma observação casual enquanto Sarah Knutie estava no seu dormitório em instalações de investigação nas Galápagos. “Em 2010, estava sentada no meu alpendre na Estação de Investigação de Charles Darwin e reparei que os tentilhões pousavam constantemente em cima da corda de estender a roupa. As aves puxavam da corda as fibras de algodão desgastado e levavam-nas, presumivelmente para as incorporarem nos ninhos”, conta Sarah Knutie. Também levavam papel higiénico e fios das toalhas.

“Como sabemos que a permetrina é eficaz a matar parasitas, pensei se os tentilhões de Darwin poderiam ser encorajados a levar para os ninhos bolas de algodão tratadas com permetrina para matar os parasitas”, acrescenta a investigadora.

Em experiências na ilha de Santa Cruz, uma das Galápagos, os investigadores colocaram perto dos ninhos 30 pequenas redes com algodão (numas redes, o algodão estava tratado com uma solução com 1% de permetrina e noutras não tinha tratamento).

E descobriram que as quatro espécies que nidificavam na zona – o tentilhão-da-terra-de-bico-pequeno, o tentilhão-da-terra-de-bico-médio, o tentilhão-das-árvores-de-bico-pequeno e o tentilhão-vegetariano – começaram a usar prontamente o material nos ninhos. A maioria dos ninhos (22 entre os 26 que estavam a ser utilizados) tinha algodão. Mais: os tentilhões usaram quer algodão com o insecticida quer algodão sem este tratamento.

Quando as aves usavam algodão tratado nos ninhos, esta técnica de “auto-fumigação” erradicou pelo menos metade das larvas (ficaram com 15 larvas em média). Nos ninhos que continham pelo menos um grama de algodão tratado, todos, excepto um, ficaram livres de parasitas. O ninho que era a excepção tinha quatro larvas, enquanto os ninhos sem algodão tratado tinham em média 30 larvas.

Os tentilhões de Darwin, assim baptizados em homenagem ao naturalista britânico, vivem nas várias ilhas das Galápagos, um arquipélago com 19 ilhas no Pacífico a 1000 quilómetros a Oeste do Equador. Darwin visitou as Galápagos na década de 1830, a bordo do famoso Beagle, e ficou espantado com a diversidade de tentilhões, incluindo algumas das suas características, como bicos que variam consoante o local de alimentação. Darwin achou que isto sugeria que as aves se adaptaram ao seu ambiente, conduzindo à ideia de que as espécies não são imutáveis, mas, em vez disso, evoluem ao longo do tempo. E, em 1859, publicou a sua obra-prima, Sobre Origem das Espécies – Por Meio da Selecção Natural, um dos livros mais influentes de sempre.

Sarah Knutie diz que os resultados do seu estudo têm implicações importantes na conservação das espécies de tentilhões de Darwin – incluindo as duas espécies criticamente ameaçadas, o tentilhão-dos-mangais (Camarhynchus heliobates) e o tentilhão-das-árvores-de-bico-médio (Camarhynchus pauper).

A investigadora sublinhou que restam menos de 80 indivíduos do tentilhão-dos-mangais, na ilha Isabela, o que a torna uma das espécies de aves mais ameaçadas em todo o mundo. Quanto ao tentilhão-das-árvores-de-bico-médio, há apenas cerca de 1620 indivíduos, todos na ilha Floreana, acrescentou a investigadora citada num comunicado da sua universidade.

Mas será o insecticida seguro para as aves? “Poderá matar alguns dos outros insectos nos ninhos. Mas é o mesmo produto do champô que usamos nos nossos filhos para os piolhos. A permetrina é segura. Mais interessante é saber se as moscas vão desenvolver resistência, como aconteceu com os piolhos humanos da cabeça”, responde Dale Clayton, citado em comunicado, acrescentando que não acredita que essa resistência surja se o algodão com o insecticida só for utilizado nos habitats dos tentilhões em risco de extinção.

Este método, segundo a equipa, poderá ainda ser aplicado noutros locais do mundo para ajudar outras espécies de aves, e não só, afectadas por pragas de piolhos e pulgas.

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