Sá Fernandes responsabiliza ex-PGR e ex-presidente do Supremo por eventual anulação do processo Face Oculta

Em causa está a destruição das escutas entre Armando Vara e o então primeiro-ministro José Sócrates que teriam indícios de um crime de atentado contra o Estado de Direito.

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Ricardo Sá Fernandes lamenta que tribunal não ouça outra testemunha Foto: Rui Gaudêncio

O advogado Ricardo Sá Fernandes, que representa o arguido Paulo Penedos no caso Face Oculta, insistiu esta quinta-feira no tribunal de Aveiro que o processo ficou “irreversivelmente inquinado pela ordem da destruição das escutas” entre Armando Vara e o então primeiro-ministro José Sócrates e que se o julgamento for anulado por causa disso a culpa será exclusivamente do ex-procurador-geral da República, Pinto Monteiro, e do ex-presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha do Nascimento.

“O dr. Noronha do Nascimento e o Dr. Pinto Monteiro praticaram actos nulos que podem ter consequências irreversíveis para esta investigação. Se tal acontecer eles serão os únicos responsáveis”, afirmou nas alegações finais do caso, em que pediu a absolvição do cliente, acusado de um crime de tráfico de influência.

Sá Fernandes afirmou que Noronha do Nascimento se intrometeu-se num processo que não lhe estava confiado, praticando actos para os quais não tinha competência e que, por isso, são nulos. “Em nenhum Estado de Direito do mundo se pode permitir que um juiz que não é o magistrado de um processo se possa vir a intrometer nesse processo”, salientou o advogado. Na mira das críticas do defensor esteve igualmente o ex-procurador-geral da República, Pinto Monteiro, a quem Sá Fernandes acusou de não ter cumprido a lei.

O representante de Paulo Penedos recordou que a 23 de Junho de 2009, o Ministério Público e o juiz de instrução remeteram um despacho para Pinto Monteiro com escutas que diziam indiciar um crime de atentado contra o Estado de Direito. “O Código Processo Penal é muito claro quanto esta matéria. A notícia de um crime dá sempre lugar à abertura de um inquérito. Isso era o que deveria ter acontecido”, sustentou, admitindo que as escutas em causa pudessem não ter indícios suficientes para continuar a investigação.

Uma coisa considerou certa: a ordem de destruição devia ter sido notificada a todos os arguidos do Face Oculta, processo ao abrigo do qual foram realizadas as intercepções, que deveriam ter sido autonomizadas já que constituíam um conhecimento fortuito daquele caso.

O advogado realçou ainda um “acto lamentável” do então PGR que cortou parte de um despacho seu, nas partes em que o mesmo tinha referências à escutas que foram mandadas destruir. “Um magistrado estripar um despacho seu é coisa que não acontecia nem no tempo da outra senhora. Recortar despachos é absolutamente inadmissível”, defendeu.

O advogado insistiu que o cliente avisou que não abdicaria de ter conhecimento de todas as escutas constantes do processo que foram validadas pelo juiz de instrução, já que acredita que as mesmas podiam ser relevantes para a sua defesa. “E não foi uma posição oportunista. Esse aviso foi feito muito antes das escutas terem sido destruídas”, argumenta. 

Logo no início das alegações, o advogado repetiu que Paulo Penedos, filho de José Penedos, antigo presidente da REN-Redes Energéticas Nacionais, “está amargamente arrependido” de algumas condutas associadas a este caso e por ter “arrastado o pai”, acusado de dois crimes de corrupção e dois de participação económica em negócio, para este processo.

Sá Fernandes reconheceu que Paulo Penedos não devia ter pedidos as três ou quatro centenas de milhares de euros a Manuel Godinho, o empresário das sucatas que terá liderado o complexo esquema de corrupção que visaria beneficiar as suas empresas, e para quem trabalhava como advogado.  

Sá Fernandes enalteceu, contudo, a atitude do cliente ao longo deste processo, realçando que Paulo Penedos teve “sempre a humildade de assumir os seus erros” e que tentou esclarecer todas as dúvidas do tribunal.

Na segunda parte da sua exposição, o advogado discorreu sobre os requisitos do crime de tráfico de influências, defendendo que faltava pelo menos um requisito para o seu cliente ser condenado: o abuso da sua influência junto de alguém, neste caso o pai.

Sá Fernandes admitiu que o tribunal possa considerar que a obtenção dos empréstimos de Godinho constitui uma vantagem patrimonial, como exige o crime, mas considerou que tal é “curto”.

O defensor sustentou que, por vezes, Paulo Penedos enganou Manuel Godinho com “mentiras brancas”, mas desvalorizou essa conduta. “Para tranquilizar as pessoas dizem-se coisas que não são completamente verdades”, afirmou, referindo-se às escutas em que o cliente transmite informações sobre a REN a Godinho ou a seus funcionários dando-lhes a entender que vinham do pai. E rematou: “É justo que Paulo Penedos seja absolvido. Seria monstruoso que à luz da sua personalidade (…) que fosse condenado ou fosse avante uma pena de prisão efectiva”. 

 

 

 

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