Governo afronta ou sente-se afrontado?

O envio nesta altura para o Parlamento de um diploma alvo de um veto político tem duas leituras.

Cavaco Silva chumbou o diploma do Governo que prevê um aumento dos descontos que os trabalhadores e os pensionistas fazem para os subsistemas de saúde ADSE, SAD e ADM. O Presidente da República apresenta quatro argumentos de peso para não promulgar o diploma.

O primeiro são os sacrifícios a que os funcionários públicos e pensionistas da CGA já estão sujeitos. O segundo (e o mais relevante) é que, se os trabalhadores passassem a descontar 3,5% (em vez dos actuais 2,5%), a receita da ADSE iria superar a despesa, ou seja, o Governo estaria a aproveitar as contas da Saúde para compor as contas públicas. Terceiro, Cavaco questiona as transferências da ADSE para o SNS, o que faz com que os funcionários públicos estejam a financiar duas vezes a saúde (através dos impostos e dos descontos para a ADSE). Por fim, como a adesão à ADSE passou a ser voluntária, isso sim, segundo Cavaco, poderá comprometer a sustentabilidade do sistema.

O Governo não apresentou um único argumento para rebater as críticas de Cavaco. Limitou-se a registar o veto e a enviar o diploma, “rigorosamente nos mesmos termos” (palavras de Marques Guedes), para o Parlamento.  Há duas leituras possíveis. Uma é a de que o Governo está a fazer uma afronta política ao Presidente da República. Ao enviar a ADSE para a Assembleia da República, o Governo sabe que com uma maioria de votos pode contornar o veto político e fazer aprovar o diploma – mesmo que isso possa demorar algum tempo.

A outra leitura é que o próprio Governo se sente afrontado pela troika e que não quer mostrar que se abriu um novo buraco nas contas públicas a apenas dois meses do final do programa resgate. E enviar a ADSE para o Parlamento é uma forma de ganhar tempo. Qual das leituras é verdadeira? Talvez ambas.
 

  



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