O peão e o poeta

A primeira vez em que estive em Lisboa fiquei encantada com certas placas de sinalização nas ruas. Uma figura masculina com chapéu do tipo usado por Fernando Pessoa, para mim, portanto, Fernando Pessoa em pessoa, andando.

Durante um tempo achei que as placas indicavam uma espécie de rota pessoana, caminhos que o poeta fazia pela cidade e que se poderia refazer hoje bastando seguir as tais placas para ser o poeta zanzando por Lisboa. Uma placa aqui, outra alhures. Placas, mais placas, nossa, que atleta o poeta.


Depois comecei a achar que ele caminhava tanto pela cidade que talvez não tivesse tempo para escrever nem a obra de um poeta só, precisaria de mais uma vida para fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Foi quando resolvi perguntar ao Diogo (meu consultor para assuntos lusos) “o que estão a indicar essas placas com a figura de Fernando Pessoa? Eram os itinerários do poeta?” Diogo: significa “pedestre”. “Não é Fernando Pessoa, é o pedestre, o peão”. Foi uma desilusão na hora mas mesmo depois de saber que a intenção não era a de ser uma representação de Pessoa,  ele, que já estava para mim ali, ali permaneceu. Piscávamo-nos de vez quando, em uma madrugada quente ou depois de uma noite de fado ou quando inebriada pelo maravilhoso aroma das sardinhas assadas na rua ou deparada com uma lua imensa ao baixar um pouco o olhar, na placa da esquina, ver o poeta olhando para mim de volta como a dizer: “pois”...

Pois bem, desembarco em Lisboa um belo dia e onde está ele?, Há outro gajo no lugar do poeta, Diogo, mas o que aconteceu, para onde ele foi? Quem é esse sujeito sem chapéu e sem graça nenhuma parecendo que estou em Bruxelas ou Bucareste. Estou em Portugal, não na “União Europeia” e não é a mesma coisa andar por Lisboa sem o poeta.

Agora vi que ele ainda flana pela cidade, mas mudou os roteiros, caminha menos e convive com os outros sujeitos sem graça nenhuma a sinalizar que adiante há listras brancas no chão para que os pedestres, com ou sem graça, atravessem a rua.

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