Carlos Rodrigues: “Os irlandeses não andaram nesta orgia de insultos entre partidos"

Para o presidente do BiG, que no dia 1 de Março celebra 15 anos de actividade, mesmo com o programa cautelar será necessário um entendimento dos partidos do poder para que as contas públicas estejam equilibradas.

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Carlos Rodrigues, presidente do BiG Miguel Manso

Carlos Rodrigues, presidente do BiG, um banco com 15 balcões e que opera sobretudo através dos canais online, diz que hoje o sector financeiro está mais regulado e controlado do que nunca mas que não é possível evitar riscos provocados por "motivações gananciosas para se obterem resultados e bónus maiores". Foi o que aconteceu no JP Morgan [as operações especulativas resultaram em perdas de cerca de sete mil milhões] onde trabalhou 20 anos. Sobre Portugal diz que "saída da troika limpa ou não limpa é irrelevante" e confessa estar farto dos partidos políticos do arco do poder que "não têm a clarividência" para se juntar e fazer a reforma do Estado.

Temos estado a assistir nos últimos dois anos a vários escândalos abrangendo grandes bancos - perdas do JP Morgan (sete mil milhões) e da UBS ( 2,5 mil milhões), com operações de crédito especulativas. Não é um mau sinal?  De onde é que espera que saia o próximo escândalo?
Estas crises são importantes como lições, não só para as instituições em termos de controlo interno, mas também para os reguladores. E não têm a gravidade do que se passou em 2008. Crises de facto graves são as que têm dimensão e afectam ou os clientes ou os contribuintes. As “nossas crises” [BPN e BPN] até foram mais graves, pois afectaram aqueles que têm de ser protegidos a todo o custo, os clientes e os contribuintes. Quando apenas sofrem as instituições e os seus accionistas, como aconteceu no JP Morgan e na UBS, e mesmo havendo falhas graves, não há dimensão sistémica. E a importância dos problemas [no JP Morgan e na UBS] no pós-crise foi amplificada e ajudou a aprofundar aquilo que se tornou o desporto quase mundial: bater nos bancos. Ainda que com alguma propriedade…

Não é justa a ideia de que os banqueiros, nomeadamente os que estão à frente dos grandes grupos, não aprenderam a lição dada pela crise de 2008?
Acho que não. No caso da UBS sei menos, até porque as crises no mundo anglo-saxónico são sempre mais amplificadas, pois há bastante intervenção dos media e muito escrutínio politico. No JP Morgan, onde trabalhei durante quase 20 anos, os controlos em vigor não permitiam o que veio a acontecer. Mas como em tudo o resto, há falhas humanas. E há loucos, profissionalmente loucos, que por estarem numa instituição com dimensão e capitalização e cujo nome é respeitado, se acham espertos suficiente para manipularem o mercado e disfarçar iniciativas que tomaram e que culminaram em perdas. Foi o que aconteceu com o JP Morgan, o que envolveu números inimagináveis para o cidadão comum. Mas dentro do contexto e da instituição, os números [perdas] não são enormes, até porque o JP Morgan apresentou lucros [em 2013], apesar dos sete mil milhões que perderam com as operações [especulativas].

Do seu ponto de vista o que motiva os problemas são sempre questões de ordem comportamental?
Sempre. É preciso assegurar que dentro de uma instituição não se cometam erros. O que acontece vai sempre muito para além de erros de procedimentos… São motivações gananciosas para se obterem resultados e bónus maiores. E, depois, alguma falha no controlo dos supervisores.

Hoje, em Portugal, seria repetível tudo o que aconteceu no BPN e no BPP, ao longo de vários anos?
Duvido que se passasse com a mesma profundidade e por tanto tempo.

Mas os reguladores, como o Banco de Portugal, têm poder para obrigar os gestores bancários a actuarem de forma ética?
Poder, têm. As novas regras bancárias europeias vão exigir critérios de idoneidade a quem gere instituições financeiras. Mas não há garantias, porque estamos a falar de pessoas humanas a quem não é possível pedir prova de fé se não há suspeitas. Nos últimos anos, os métodos de supervisão, não só em Portugal, mas aqui é notório, tornaram-se mais profundos e os reguladores estão hoje mais profissionalizados. Portanto, é mais improvável, mas não é impossível, que se repitam casos com a dimensão e a duração do BPN e do BPP. Sempre defendi a presença regulatória [equipas do BdP estão em permanência nos bancos] em instituição com uma determinada dimensão, isto, partindo do princípio de que a idoneidade de quem gere está garantida: é mais fácil [ao supervisionado] tirar dúvidas e pedir aconselhamento ao regulador e, por outro lado, é mais fácil ao regulador conhecer os negócios, os métodos e as fragilidades de alguns processos que podem ser mudados.

Como banqueiro como é que viu João Rendeiro, o ex-presidente do BPP, dizer que aquilo que se passou no BPP [que faliu] teve mais a ver com a ganância dos clientes do que com os métodos da gestão [que está em tribunal acusada de burla qualificada]?
Conheço mal o caso do BPP. Mas posso responder desta maneira: enquanto equipa de gestão, no BiG, tendemos a assumir todas as responsabilidades por erros cometidos no banco, independentemente de quem os pratica. De mim nunca ouviria a frase.

Disse que o BPP lucrou muito e perdeu, o BiG lucrou menos e está aqui.
Vamos fazer 15 anos no dia 1 de Março, quando abrimos o primeiro balcão ao público. É um período de tempo curto para fazer história numa instituição. Mas a primeira prioridade tem sido sempre os depositantes, os clientes que nos confiam o dinheiro, e que não têm o poder de interferir na gestão e partem do princípio de que aquilo que a gestão diz é o correcto. E só depois é que estão os accionistas, por uma razão, por serem capital risco.  

Mesmo depois da falência do BPP os bancos continuaram a vender produtos complexos?
Se há produtos que são vendidos [pelos bancos] e que as pessoas não entendem… a isso eu digo: se um produto leva mais de três minutos a explicar, então, das duas, uma: ou a pessoa que o explica não sabe fazer-se entender ou o produto não é assim tão transparente. A maior parte dos produtos do sector financeiro compõem-se de coisas simples e são construídos com uma lógica de defesa de quem compra o produto e de entendimento que é da responsabilidade do banco. E não invalida que no pós-crise não tenha havido algum oportunismo, com pessoas a fazerem escolhas e depois a perderem e a acharem que está de maré acusar os malvados dos bancos. É, por isso, que alguns produtos mais sofisticados não podem ser vendidos ao comum dos clientes.

Quando um produto leva mais de três minutos a explicar é porque não seleccionaram bem o cliente a quem estão a vender?
Três, talvez não, mas se for cinco… E isso preocupa-me… Ainda há produtos a serem comercializados no retalho e que não deviam ser. Por exemplo, as obrigações perpétuas, as obrigações híbridas cujo pagamento de dividendos depende do desempenho do banco só deviam ser dirigidas ao mercado profissional, e não ao retalho [particulares].

O economista João Ermida diz que o cenário nos mercados financeiros piorou desde 2008 com a banca de investimento a passar parte dos riscos para um número reduzido de intermediários, muitos não regulados. E que o cenário de uma crise mundial sistémica é hoje mais provável do que alguma vez foi. Concorda?
Para falar de forma curta e directa: primeiro, esta coisa da banca de investimento e de retalho e dos riscos estarem associados a uns ou a outros parece-me uma treta daquelas em que muitas vezes as pessoas acreditam…Mas banca é banca. E existe o dever fiduciário de guarda de valores que são entregues a uma empresa diferentes das outras. A realidade é que a vasta maioria dos activos não pertence aos investidores, mas aos clientes. A crise de 2008 foi provocada por uma política de incentivos e de venda de obrigações de hipotecas e de concessão de crédito hipotecário em condições miseráveis, quer em termos de controlo da qualidade do crédito e quer da capacidade de pagamento de quem recebeu o crédito. A primeira coisa em que se deve pensar quando se concede crédito é saber quais as perspectivas de devolução do dinheiro emprestado pagando o juro e o capital. Ora, as vendas foram feitas maciçamente a pessoas sem capacidade e foram empacotadas e distribuídas. E grande parte dos compradores eram bancos alemães. Dos bancos que faliram a maioria eram comerciais. Banca é banca. E os problemas acontecem por incompetência, ganância, por gente desonesta. Sou incapaz de prever se vai haver ou não uma nova crise sistémica. Mas o mundo aprendeu muito e uma das coisas que devia ter aprendido é que havendo humanos metidos no assunto, há sempre risco.

Dado que a lógica na banca é dar incentivos (bónus) aos gestores e funcionários não há risco de…
Há muitas opiniões. O sistema de atribuição de bónus tende a seguir a meritocracia de quem gera recursos para a instituição. A outra via, é o sistema soviético, onde somos todos iguais. Somos todos iguais à nascença, mas não acho que uma pessoa preguiçosa que faça pouco deva ter, durante a sua vida, as mesmas recompensas ou ganhos daqueles que se esforçam mais. O promover, no sector de vendas, uma remuneração variável parece-me justificado.

Na banca o clima está mais pacificado em relação há uns anos atrás. Mas ainda há muitas queixas sobretudo por falta do crédito à economia…
Hoje, em 2014, a capacidade de dar crédito já é maior do que a capacidade de encontrar oportunidades para investir. Mas há uma coisa que continua a ser verdade: não só como país, mas também as nossas empresas têm uma capitalização fraca. Hoje nem há projectos, nem co-financiamento. A descapitalização das empresas portuguesas tem sido crónica e, durante muitos anos, entrou no ideário normal do dia-a-dia que, para fazer uma empresa, bastava colocar 30% de fundos próprios e o resto pedia-se à banca. Não se pode voltar a um período em que toda a gente estava alavancada. Na minha formação na banca quando os rácios de empréstimos versos depósitos se aproximavam dos 90% já era preciso muito cuidado, porque tinha de haver funding estável. Agora pensa-se que para resistir a choques uma empresa tem que ter um certo nível de capitalização que dê confiança a quem empresta, ou seja, de que aqueles que estão a pedir dinheiro emprestado dispõem de capital de risco suficiente para se esforçarem para que o projecto corra bem… A banca não pode financiar projectos que ofereçam poucas garantias de pagar. 

Acredita numa saída limpa de Portugal (sem programa cautelar) e acha que a partir do dia 17 vamos ter investidores com apetência pela divida portuguesa?
Qual o caminho que se vai seguir, ainda não se sabe. Se vamos regressar aos mercados no dia seguinte, não vamos. Os investidores vão voltar ou não [a comprar dívida portuguesa] se virem que fazemos a reforma de Estado que está por fazer, e que só pode ser feita com o apoio dos dois partidos no governo e do PS. Há países onde, claramente, há oposições e vários partidos no governo -- o caso da Finlândia é paradigmático -- mas onde se consegue adoptar o interesse nacional como a primeira prioridade. E todos se unem para resolver os problemas. O que me desilude no nosso país é que os partidos andam a discutir se foram, ou não, bem tratados, ou se o que foi feito está bem, ou mal, quando o que está em jogo é, em 35 anos, o país ter sido pela terceira vez obrigado a pedir um resgate financeiro dado que o modelo de desenvolvimento é deficiente.

 É uma crítica aos partidos, PS, PSD e PP?
Os factores civilizacionais são importantes. Sabemos como é difícil o entendimento e a cooperação em Portugal. Temos um país que está a atravessar gravíssimos problemas financeiros em resultado de uma dívida enorme e perde-se tempo a dizer que a dívida piorou. É óbvio que a dívida vai sempre aumentar pelo montante do défice mais o que não estiver contabilizado, como era o nosso caso [empresas públicas]. Mas isso interessa-me pouco. O que me interessa é que não aceito as desculpas dadas pelos senhores que elegemos para não terem, num tempo de crise, a clarividência de dizer que, independentemente das nossas diferenças, somos o país que mais vezes entra em crise financeira e isso significa que algo está estruturalmente mal. Estou farto de ouvir o palavreado dos partidos. As pessoas não se julgam por aquilo que dizem, mas por aquilo que fazem.

Os partidos políticos são ineptos para lidar com  uma crise desta dimensão?
Os partidos do arco do governo, o PSD, PP e PS, têm a obrigação imperativa de se concertarem numa reforma do Estado que torne Portugal sustentável.

Portugal vai conseguir sair do resgate sem um programa cautelar e com juros de 5%?
Vai ser muito difícil. Provavelmente, se os juros não baixarem, Portugal terá gravíssimos problemas. É o tal problema da sustentabilidade da dívida. Se crescermos a 1% ou a 2%, e se tivermos taxas de juro de 5% e 6%, obviamente que chegaremos a um ponto insustentável. Saída limpa ou não limpa é irrelevante. Porque qualquer que seja a saída, o que importa é se somos capazes de reformar, ou seja, de resolver a equação na parte em que gastamos mais do que aquilo que recebemos. Porque se não fizermos nada, a diferença entre uma saída limpa e um programa cautelar não é muita.

Continua a defender a revisão constitucional para impor um limite ao défice público?
Esse limite é básico. É quase como perguntar se alguém acredita que um país, uma família ou uma empresa pode ser sustentável se as despesas forem superiores as receitas.

Acredita que os partidos do arco do poder podem concertar-se nesse objectivo?
Neste momento, não acredito em nada. Mas se não se entenderem, desaparecem as probabilidades de termos credibilidade externa e baixa o nível de acesso aos mercados.

O que está a dizer então é que será preferível uma saída da troika com programa cautelar?
Mesmo com o programa cautelar será necessário um entendimento dos partidos do poder para que as contas públicas estejam equilibradas. E estou completamente irritado por ver que depois de criadas condições, que são hoje são melhores do que há três anos, para sairmos da crise, não haver agora os elementos de junção que noutros países funcionaram. Uma saída limpa ou à irlandesa? Bom, os irlandeses não andaram nesta orgia de insultos entre partidos do arco da governação e a Irlanda saiu do programa. Há uma data de falácias em Portugal em que deve ser o Estado a pagar tudo. Mas quando se subsidia a circulação numa ponte, quem paga é o contribuinte que ganha pouco e que está a ajudar alguém a beneficiar. Em Portugal, há muita gente a trabalhar e com boas intenções. E foram criadas condições, que são hoje são melhores do que há três anos, para sairmos da crise. Mas não vai ser possível fazê-lo de uma forma sustentável sem haver um conjunto de entendimentos para reformar o Estado. Cabe às forças políticas que têm a maioria no Parlamento criar as condições para que isso aconteça. Por isso é que a escolha entre um programa cautelar, ou não, não é importante…

Há espaço para haver mais austeridade? Faz sentido estar a cortar nas pensões de pessoas que já formaram expectativas?
Não.  As pessoas vêem frustradas tudo aquilo que trabalharam em termos de uma vida: “foi-me dito que eu tenho esta pensão e agora abriu-se um buraco no chão e não está cá”. Não tenho dúvidas que é  uma injustiça e uma violência brutal, até porque essas pessoas não têm capacidade para refazer a sua vida.  Acredito que há uma solução melhor do que aquela que está a ser posta em prática, que é a taxação das pensões. Achava muito mais lógico, e era economicamente muito mais eficiente, se houvesse durante esses tempos de crise uma redução percentual dessas pensões nas contas do Estado. Há uns anos estava numa reunião do sector financeiro nos EUA com um governador de um Estado e estavam cerca de 100 bombeiros à porta, a manifestarem-se contra uma redução de cerca de 18% ou 20% no pagamento das pensões que iriam receber. No intervalo, o governador pediu autorização para se ausentar e falar com a delegação dos bombeiros e, ao fim de meia hora, a manifestação desmobilizou-se, porque ele conseguiu explicar que para garantir a sustentabilidade daqueles fundos autónomos de pensões, a diminuição de 18% ou 20% assegurava que todas as pessoas continuavam a receber pensões. Portanto, em termos de metodologia podemos todos discutir as soluções.

Que outras soluções sugere para além do corte das pensões?
Há-de haver múltiplas soluções. É óbvio que não é justo e defrauda todas as expectativas. É impensável pensar que, na resolução de uma crise com a profundidade da que temos, alguém (daqueles que contribuem para os grandes agregados de despesa) vai ficar a salvo. Há casos que são um absurdo em termos de dimensão de cortes. Não é só a questão dos cortes, é daquilo que as pessoas precisam para manter um nível de sustentabilidade nas suas vidas. Mas isto só se resolve se os partidos políticos forem capazes de se sentar e estudar as fórmulas, que têm de ser equilibradas, para se chegar a uma situação sustentável.  

Como avaliar o desempenho da actual ministra das Finanças, sucessora de Vítor Gaspar?
Tem uma linha idêntica, que tem dado bons resultados em relação ao que os credores analisam como a metodologia melhor para tirar o país da dependência externa. Somos um país sui generis. Independentemente das declarações recentes da Comissão e do FMI – "para não nos embandeiramos em arco com a melhoria de alguns indicadores” - as coisas estão a melhorar em termos de indicadores e as condições para lançarmos as reformas para sairmos da crise são melhores do que eram há dois anos. Isso não quer dizer que a vida das pessoas melhore para já. Algumas até vão piorar. Se for para a província, para o interior, é quase inadmissível que, em 2014, tenhamos um país com os níveis actuais de pobreza. E os culpados não são as pessoas, são quem governa.

O FMI esteve cá em 79 e 83 e nunca se fez a reforma do Estado. Por que é que a haveríamos de fazer agora?
Porque se não a fizermos, vamos estar perenemente como o protectorado de alguém. As alternativas não são muitas. Vai haver uma altura em que os nossos credores não nos vão emprestar dinheiro. Também há quem advogue que se deixe de pagar a dívida, como a Argentina. Basta visitar a Argentina e perguntar aos argentinos se acharam alguma piada àquilo que foi a governação do país desde o século passado. A mim o que me impressiona é que num país pobre como o nosso não haja um imperativo mais alto do que a pequenina luta partidária e as dissertações semânticas. Já vimos do que eles [partidos] são capazes de fazer. Nós chegamos aqui por alguma razão.

Algumas dessas reformas não deveriam ter sido feitas nos últimos três anos, durante o resgate, e não agora que ele está a terminar?
Não sei se havia condições. Como é que as fazia se a vontade política não estava lá para se unirem? Toda a gente barafusta contra o Tribunal Constitucional. Mas o Tribunal só intervém se o poder parlamentar não for forte. Não se vá agora culpar o poder judicial pelas demissões do poder político.

Este impasse e falta de consenso vai afastar ainda mais as pessoas nas próximas eleições?
Que vai afastar não sei; mas que provoca um grande desencanto isso provoca. Veja pela minha conversa. Acho que os nossos representantes políticos devem isso ao país, devem isso às pessoas.

Em 83 ganhou imensa experiência com a colocação de dívida pública. Enquanto banqueiro isso tem-no ajudado?
Tudo aquilo que fazemos no passado ajuda a formar a ideia sobre como devemos agir. Há muitas pessoas que dizem que o passado não é uma boa base para projectar o futuro, mas eu ainda não conheço uma melhor. E as coisas tendem a repetir-se.

 O BIG e os outros bancos estão a ir a BCE buscar fundos a 1% e depois compram dívida pública a 5% ou a 10%. Isso tem ajudado a atenuar os prejuízos da banca [o BiG teve 59 milhões de lucros em 2013]?
Os bancos espanhóis têm sido grandes compradores de dívida pública espanhola, como os italianos de dívida italiana. Desejo que [os bancos portugueses] tivessem comprado mais. Imagine qual seria a performance dos nossos fundos de capitalização da Segurança Social se tivessem investido massivamente na dívida portuguesa.

Não seria um risco?
Um risco o quê? Comprar dívida pública do nosso próprio país? Se o país entrasse em colapso financeiro tudo entrava em colapso financeiro.

Mas para o BiG foi um bom investimento?
Claro, como foi um bom investimento a dívida italiana e outras. Temos dívida corporate europeia, temos dívida soberana italiana, temos espanhola, temos portuguesa, que não é a maior fatia, já foi no passado. Colocamos os nossos activos com diversificação de risco. Isto apesar do haircut na Grécia, que eu considerei um erro de proporções bíblicas, porque fez pior ao problema europeu e por isso é que ele levou tanto tempo a começar a recuperar. Mas ainda hoje as condições e de preço do BCE são infinitamente maiores do que o acesso dos bancos japoneses ao Banco Central japonês e dos bancos americanos em relação à Reserva Federal.

Os bancos maiores, BCP, CGD e BES, fecharam 2013 com grandes prejuízos, mas o BiG revelou lucros de 59 milhões?
São escolhas que se fazem e é a forma como se seguem as tendências, como fazem análises. Temos actuado, por vezes, em contra ciclo. Há uns anos alguns accionistas diziam-nos que andávamos devagar…mas fomos pouco influenciados.  

Como explica que os lucros do BiG tenham sido idênticos aos do BPI (60 milhões), de dimensão muito superior?
Se for à evolução do produto bancário, tem uma margem financeira que subiu 37%, ou seja, os nossos activos cresceram e geraram mais margem. As comissões líquidas ficaram mais ou menos na mesma, e depois os resultados das operações financeiras cresceram brutalmente.

Quanto lucrou o BiG com dívida pública?
Uma boa parte de lucros que vieram a mais foi o vencimento antecipado, infelizmente, daquele crédito hipotecário que nós temos em balanço que está a ser pago a um ritmo bastante mais rápido do que pensávamos. São hipotecas individuais que comprámos em mercado, geralmente emitidas por veículos onde os bancos portugueses venderam essas hipotecas. Também nas operações financeiras onde tivemos uma leitura apropriada dos mercados. Investimos em dívida, não só portuguesa, e não tivemos nenhuma imparidade com elas. Quando achamos que a valorização de algumas têm evoluções exageradas, vendemo-las.

Acredita em movimentos de fusões no sector, que possam envolver o BiG?
Não acredito [fusões] porque tenho sempre medo, ou melhor, não acredito que nestes últimos 15 anos houvesse oportunidades de compra que tivessem sido positivas para o BiG e não tivessem sido uma dor de cabeça. Apesar de termos accionistas a quem recorrer, sempre achei que a primeira obrigação era reter capital, e este ano não vai ser diferente. Os 18 cêntimos que vamos pagar são claramente mais do que os 15% de retorno face aos preços de subscrição (e o último aumento de capital foi em 2001). Mas mesmo assim vamos reter 62% dos lucros, só estamos a pagar cerca de 31%. O resto fica cá. Não quero ser grande ou pequeno em termos de balanço, quero ser eficiente para remunerar o capital  e servir os clientes que confiam em nós.

O BiG opera sobretudo online e tem surgido com grande dinamismo em termos de publicidade...
Só este ano. Talvez porque também começámos nos canais generalistas que nunca fazíamos. Porque achámos que éramos pouco conhecidos do público em geral. Os nossos clientes obviamente que nos conhecem. Mas do público em geral éramos pouco conhecidos e é bom que a marca esteja presente. Temos 15 agências mas a nossa oferta é de nível nacional…Não trabalhamos só online, mas é fundamentalmente online, na comercialização daqueles produtos comoditizados que têm duas vantagens: são mais baratos e são mais controláveis para o utilizador e é muito mais rápido e eficiente. Nem posso dizer que foi uma experiência sem concorrência; abrimos em Março de 1999 e daí a poucos meses os dois grandes bancos, o BES e o BCP, abriram também.  

A aposta no retalho está fora de questão?
Fazemos retalho todos os dias. No online e nas agências que são pontos de apoio que têm dinamizado o online.

O crescimento de 26% que aparece nos resultados de depósitos de clientes, isso é banca retalho?
É banca a retalho. As pessoas abrem uma conta (podem nem ir às nossas agências), depositam e transferem. Os depósitos têm crescimento, mas têm crescido muito mais as outras transacções que os clientes fazem, como a compra de obrigações. Isso tem dinamizado muito a abertura de contas no BIG. O ritmo é bom, gostávamos sempre que fosse maior, mas nós não estamos a correr. Com não controlando todas as variáveis, temos que estar satisfeitos e seguros de que nos sentimos bem a controlar aquilo que fazemos. Isto é, que não andamos com o credo na boca. Acredito que a perenidade de uma instituição é a que trata, antes de tudo, da sua própria sustentabilidade, para não estar permanentemente em risco. Não é só fazer comichão, tira-nos do sério saber que há quem gere com um grau de risco e a pensar que se houver algum problema se vai pedir ajuda.

Isso é uma crítica aos bancos que foram pedir ajuda ao Estado?
Não, não é nada. É só uma coisa para lhe dizer que a sustentabilidade é o melhor contributo que uma empresa pode dar para o todo nacional e para o país. Nós estamos a distribuir 18 milhões de euros aos accionistas e, em termos de IRC, estamos a pagar quase o dobro em impostos.

 O BCP, a CGD e o BES apresentaram em 2013 prejuízos de quase dois mil milhões de euros e o BPI lucrou 60 milhões. Sente-se satisfeito por não fazer parte do grupo ou isso gera-lhe preocupação?
 Gera preocupação. Sendo o sector bancário português de pequena dimensão, em termos europeus, é bom que esteja próspero e de boa saúde, de modo a todos podermos concorrer nessa base … 
 
No que toca à banca portuguesa vamos ter alguma surpresa?
Espero que não. Os bancos maiores, a começar pelo banco do Estado, têm feito uma limpeza aturada dos balanços e o reconhecimento de imparidades será menor no futuro. Suponho que o desafio para toda a banca portuguesa continuará a ser o acesso a capital. O capital é caro e no BiG sempre defendemos que a melhor maneiro de o ter é reter lucros, sobretudo, em anos bons.  

Acha que o tsunami financeiro já passou?
Foram criadas as condições para que o tsunami financeiro tenha definitivamente ficado longe da costa. Acho que temos muito mais regulação. Não quer dizer que estamos perfeitos, mas estamos melhores. As instituições hoje estão confrontadas com standards europeus. Os balanços das instituições financeiras portuguesas estão muito mais sãos, acho que houve melhorias brutais em algumas equipas de gestão. Não estou a dizer que não possa haver uma surpresa ou outra de um grande agregado virar imparidade. Mas acho que a cadência vai tender a diminuir, por conjugação desses factores

O investidor Warren Buffett disse que só se verá se o rei vai nu quando baixar a maré.
É da maneira que se vê quem está sem calções quando a maré baixa [risos].  O risco sistémico é hoje menor do que antes. A velocidade de intervenção dos reguladores é muito maior. E está tudo mais mapeado. Todas as instituições são obrigadas a reportar planos. Esta nova supervisão europeia vai incidir-se sobre aquelas instituições que pelo seu tamanho podem ter esse risco.

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