Um congresso fora de tempo

A conjuntura ajuda à propaganda, os indicadores económicos recentes são de molde a favorecer um discurso eleitoral ganhador no PSD. No fundo, Passos Coelho pode chegar ao Coliseu dos Recreios desempenhando o papel de líder político individualista e solitário

O XXXV Congresso do PSD é um congresso perdido. No Coliseu dos Recreios, em Lisboa, entre sexta-feira e domingo, será farta a propaganda, imenso o consenso, grandiloquentes os discursos, inexcedível a bajulação ao poder, quase completa a unanimidade. Na prática, porém, para o PSD e para o país, o conclave não vai servir de muito, porque não traz nada de novo. A prova disso é a moção de estratégia global que o presidente do PSD e primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, apresenta como guião com o qual pretende orientar o seu mandato de dois anos à frente do partido.

Numa visão superficial, até pode ser considerado que um congresso neste momento, a três meses das europeias, é óptimo para arrancar com a campanha eleitoral. Certamente a próxima batalha eleitoral será a aposta imediata do PSD, até porque quanto pior for o resultado que sofrer nas urnas em 25 de Maio, mais difícil será ao Governo manter a imagem de solidez e mais questionada será a sua legitimidade, já que é dado como adquirido que as eleições europeias, entre legislativas, surgem como um teste – e, logo, um aviso – à erosão governamental.

A conjuntura ajuda à propaganda, os indicadores económicos recentes são de molde a favorecer um discurso eleitoral ganhador no PSD. No fundo, Passos Coelho pode chegar ao Coliseu dos Recreios desempenhando o papel de líder político individualista e solitário. E subir ao palco do congresso com a atitude triunfante do primeiro-ministro que cumpriu e vangloriar-se do trabalho feito, em véspera do final da execução do Memorando de Entendimento, assinado pelo anterior Governo do PS liderado por José Sócrates e a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, em Maio de 2011.

Ainda que as metas estabelecidas na assinatura do Memorando tenham sido ultrapassadas e os critérios de ajustamento adaptados, o que é facto é que, do ponto de vista formal, tudo indica que terminará com avaliação positiva o programa de intervenção na gestão orçamental e da economia directamente monitorizado pela troika de funcionários da Comissão Europeia, do BCE e do FMI. Embora esse aparente sucesso não encubra a destruição de tecido económico e de emprego trazida pela tentativa de reestruturação do modelo de organização económica da sociedade portuguesa.

Por maior sucesso que possa ser proclamado por Passos no Coliseu dos Recreios, bem como durante toda a campanha eleitoral, a verdade é que é uma incógnita o que se vai passar depois de 17 de Maio. E a incógnita sobre o futuro não é só a de saber qual vai ser o tipo de intervenção a aplicar à economia portuguesa, onde as variantes vão desde o que se chama uma saída light à irlandesa até uma programa cautelar mais pesado com uma monitorização externa explícita das orientações governativas de política orçamental e económica.

Desconhecido é também qual o real estado da economia portuguesa que irá resultar destes ajustamentos, já que uma coisa é a intenção de mudar o modelo de organização, outra é o que na realidade foi mudado. Neste domínio, o facto é que a prometida e proclamada como indispensável reforma do Estado está por fazer. E por mais que o vice-primeiro-ministro e líder do CDS, Paulo Portas, tenha apresentado um suposto guião para a reforma do Estado e discurse no seu impecável castelhano nos palcos do PP espanhol sobre a Reforma do Estado português, ela pouco avançou. Assim, o resultado final da receita que começou a ser aplicada é desconhecido.

É por isto tudo que o congresso do PSD vem fora de tempo, do ponto de vista do interesse em saber o que pode ser o caminho futuro para a governação do país. Passos não pode chegar ao palco do Coliseu e dizer o que irá acontecer depois de 17 de Maio, nem pode dizer o que tenciona propor para o país no futuro próximo. Por isso a sua moção ao congresso é um exercício de retórica sobre o passado e sobre a obra feita.

Passos opta por nem sequer prometer nada, ao contrário do que fez o seu parceiro de coligação Paulo Portas, que na moção ao congresso do CDS e no palco de Oliveira do Bairro garantiu já para 2015 a reforma fiscal do IRS. O primeiro-ministro e presidente do PSD mantém o total silêncio sobre esse ou qualquer outro assunto. Numa atitude que pode significar prudência, mas que deixa sem conteúdo um congresso que vem antes do tempo.

P.S.: António Capucho foi dirigente-fundador do PSD e, nessa condição, fez os estatutos do partido. Como secretário-geral, responsabilizou-se por que fossem respeitados por todos e em relação a todos. Sabia o risco que corria ao candidatar-se como independente em Sintra. Será que agora já se sente mais livre para procurar um eventual futuro político?

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