Viana do Castelo: “Iremos até onde for necessário”

No primeiro plenário de 2014 ficou decidido voltar a Lisboa, para entregar uma petição em defesa da empresa e marcar uma nova jornada de luta, em Viana, envolvendo actuais e antigos trabalhadores, familiares e população.

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Estaleiros de Viana do Castelo PAULO PIMENTA

Os trabalhadores dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC) vão regressar, para a semana, a Lisboa para entregar na Assembleia da República uma petição em defesa da empresa e para acompanhar a discussão da proposta de criação de uma comissão parlamentar de inquérito à situação da empresa. A decisão de rumar à capital foi anunciada, ontem, pelo coordenador da comissão de trabalhadores (CT) no final de plenário geral, o primeiro de 2014 que se prolongou durante mais de hora e meia.

O documento, que já circula pela cidade e na Internet há mais de um mês, reúne mais de quatro mil assinaturas, sendo o primeiro subscritor o secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, que ontem passou o dia na empresa, entre reuniões sectoriais e o plenário geral. A petição, que será entregue no Parlamento pelas Organizações Representativas dos Trabalhadores (ORT), classifica a subconcessão da empresa como “um crime minuciosamente preparado, a executar pelo Governo contra os trabalhadores, a região, a construção naval e a economia nacional”.

“Ao liquidar uma empresa viável e estratégica da indústria nacional com capacidade de projecto e tecnologicamente preparada para responder às exigências de qualidade imposta pelos padrões actuais da construção naval mundial, o Governo não só prossegue a destruição do tecido produtivo, como hipoteca o desenvolvimento económico do país e a independência nacional”, adianta o documento.

Promovida pelos trabalhadores dos ENVC, a petição, cuja recolha de assinaturas continua entretanto em curso, defende também que “o Governo tem de responder perante os portugueses pelos prejuízos que vai causar à economia do país, à região e aos trabalhadores”.

No final do plenário geral de ontem o coordenador da CT escusou-se a responder às perguntas dos jornalistas. António Costa limitou-se a ler o texto da moção aprovada por unanimidade, no qual consta ainda a realização de uma nova manifestação, em Viana, com actuais e antigos trabalhadores, familiares e população. O protesto, o oitavo desde Junho de 2011 e o primeiro de 2014, será decidido em plenário geral já convocado para o próximo dia 9 deste mês.

No documento os trabalhadores reafirmam o “repúdio” pela decisão do Governo de encerrar a empresa e despedir os 609 trabalhadores e reiteraram a intenção de não aderir ao plano social para rescisão amigável dos contratos.

“Alertar os trabalhadores uma vez mais no sentido de não fazerem ou aderirem a qualquer tipo de acordos, pois os mesmos podem ser prejudiciais para o seu futuro”, lê-se no texto da moção.

Menos de 570 no activo

Os ENVC iniciaram, ontem, a actividade, após a paragem de Natal, com menos de 570 trabalhadores. De acordo com a administração, estão formalizadas 42 saídas amigáveis, que totalizam mais de três milhões de euros em indemnizações.

Além dos que já aderiram ao plano social para rescisão amigável, a administração dos ENVC adiantou que algumas dezenas também já aceitaram as indemnizações propostas e deverão assinar os respectivos acordos de rescisão nos próximos dias. As indemnizações individuais oscilam entre os 6000 e os 200 mil euros e acesso ao subsídio de desemprego.

O encerramento dos ENVC prevê o despedimento dos 609 funcionários e a subconcessão dos terrenos, infra-estruturas e equipamentos à Martifer. A assinatura do contrato com o grupo português está prevista para o próximo dia 7. A partir dessa data, a nova empresa constituída na sequência da subconcessão, a West Sea, irá começar a convocar os funcionários dos ENVC para entrevistas de trabalho, prevendo recrutar 400 trabalhadores em seis meses.

Na moção ontem aprovada em plenário, as ORT dos estaleiros comprometeram-se ainda a desenvolver “todos os esforços” para que o Presidente da República receba os trabalhadores em audiência, pedido que reclamam há precisamente dois anos. Insistem, porque querem transmitir a Cavaco Silva “todas as preocupações sociais e laborais que este escandaloso processo de subconcessão originará para o distrito de Viana de Castelo e para o país”.

O secretário-geral da CGTP afirmou que ainda existem “todas as condições” para travar este negócio que classificou de “crime económico e social” que o Governo pretende cometer e defendeu que “é preciso descobrir quem é que está por trás do testa-de-ferro” deste negócio.

“O testa-de-ferro, já percebemos, é a Martifer e já percebemos que onde a Martifer, por norma, mete a mão, é para estragar. Já também percebemos que quem está, em termos de grande peso económico, atrás da Martifer é a Mota-Engil. Já sabemos que a Mota-Engil tem um espaço privilegiado nas relações com os governos, quer com o anterior, quer com este. Nós não temos nada contra a Mota-Engil, nem contra a Martifer, agora o que não aceitamos é que seja a Mota-Engil ou a Martifer a dar cabo de uma empresa que, para além de ser pública, tem futuro. Se querem fazer negócio, que façam negócios limpos”, sustentou Arménio Carlos.

“Nuvens escuras”

O líder da Intersindical adiantou que “são tantas as nuvens escuras que se adensam em torno deste negócio que só alguém com pouco bom senso ou envolvido neste negócio é que não [lhe] porá travão”. Arménio Carlos sublinhou que os trabalhadores dos ENVC continuam “unidos e coesos” e “fortemente empenhados” em prosseguir a luta em defesa da empresa. Reconheceu o sentimento de “angústia e preocupação” que afecta os trabalhadores, mas alertou que “não é nada fácil” enfrentar a “tortura psicológica” a que têm vindo a ser sujeitos por este Governo há quase três anos. Nesse sentido o líder da CGTP defendeu que o Governo tem de ser penalizado.

“É uma tortura o que fazem todos os dias a estes trabalhadores. As pessoas que cometem estas torturas deviam ser penalizadas, deviam ser julgadas. Eu estou a falar concretamente do Governo. O Governo não está acima do poder. Tem de respeitar um conjunto de direitos, liberdades e garantias”, frisou.

O líder da central sindical considerou que "se justificava” que a criação de uma comissão parlamentar à situação da empresa “fosse para a frente”, conforme proposta do PCP, e garantiu que a resistência à concretização deste negócio cada vez “mais nebuloso” não vai esmorecer.

“Iremos até onde for necessário e até onde as forças nos permitirem. Eles [o Governo] podem ter a força do poder, mas há uma coisa que os trabalhadores têm – é a força da razão e a força da razão irá sobrepor-se, mais cedo do que tarde, à força do poder.”
 
 
 
 

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