Passageiros de navio preso no gelo da Antárctida já foram resgatados

Finalmente, o tempo permitiu que helicóptero chinês começasse a evacuar os passageiros de um navio russo aprisionado na baía de Commonwealth há nove dias, durante uma expedição australiana.

O helicóptero chinês a transportar os primeiros passageiros
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O helicóptero chinês a transportar os primeiros passageiros Andrew Peacock/AFP
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Os pasageiros aguardaram nove dias pelo resgate Andrew Peacock/AFP
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O navio russo ao longe, ao serviço da expedição australiana Andrew Peacock/AFP
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Um pinguim-de-adélia indiferente à agitação à sua volta Andrew Peacock/AFP

Vemos as imagens do navio russo que ficou preso nas águas da Antárctida na última noite de Natal, cercado de branco, com os pinguins a passearem-se ao lado, indiferentes a tudo, e saltam-nos à memória as fotografias, essas a preto e branco, de uma expedição com quase um século. Tal como agora o navio russo Akademik Shokalski ficou imobilizado no gelo, ao serviço de uma expedição australiana, o Endurance, da expedição de Ernest Shackleton, que pretendia atravessar a Antárctida de uma ponta à outra passando pelo Pólo Sul, também ficou preso por uma massa de gelo, em Janeiro de 1915. A grande diferença é que os 52 passageiros do navio russo não tiveram de esperar mais de um ano, como a equipa de Shackleton, até serem resgatados. Esta quinta-feira foram todos levados por um helicóptero.

O helicóptero, que seguia a bordo de um quebra-gelo chinês nas redondezas, o Dragão de Neve, transportou os passageiros – cientistas, jornalistas e turistas – em cinco viagens, mais duas ainda para malas e equipamentos.

“O helicóptero chinês chegou ao Shokalski. Vamos sair, é 100% certo. Muito obrigado a todos”, desabafava no Twitter um dos chefes da expedição, o australiano Chris Turney. “É a primeira das viagens de helicóptero a levar-nos para casa. Obrigado a todos”, dizia mais tarde. “Penso que toda a gente está aliviada e entusiasmada por ir para o quebra-gelo australiano e depois para casa”, disse ainda Chris Turney à agência de notícias AP, via telefone-satélite.

Primeiro, os passageiros foram sendo transportados para o Dragão de Neve, depois seguiram numa pequena embarcação até outro quebra-gelo, a duas milhas náuticas de distância (cerca de 3600 metros), o australiano Aurora Australis.

O navio russo estava a ser utilizado pela Expedição Australo-Asiática para comemorar a viagem à Antárctida realizada há um século pelo explorador australiano Douglas Mawson, que chefiou a primeira grande expedição da Austrália ao continente branco. Tinha partido a 28 de Novembro da Nova Zelândia e já estava de regresso, quando as condições meteorológicas pioraram repentinamente e os ventos fortes empurraram um banco de gelo grosso para a baía da Commonwealth, onde o navio se encontrava.

E ali ficou retido, com 74 pessoas a bordo, incluindo a tripulação, a 100 milhas náuticas (180 quilómetros) da estação de investigação francesa Dumont D'Urville, na Terra de Adélia, na Antárctida, e a 2500 quilómetros da cidade australiana de Hobart, na Tasmânia. Do mar aberto estava só a duas a quatro milhas.

Nem toda a tecnologia do mundo moderno foi mais forte do que a natureza, nos primeiros dias. Várias tentativas de resgate, por mar e por ar, acabaram canceladas devido às condições difíceis na Antárctida. Os quebra-gelos na zona – o Dragão de Neve, o Aurora Australis e L’Astrobe, da França – nunca conseguiram aproximar-se do navio russo. O banco de gelo era demasiado espesso, com três metros, para que conseguissem avançar. Além disso, chuva e ventos fortes impediam o helicóptero chinês de levantar voo.

Enquanto a operação de resgate, coordenada pela Austrália, não era possível, os passageiros foram medindo a temperatura e a salinidade da água do mar através das fendas no gelo. Alguns trabalhos também repetiram as experiências da expedição de Douglas Mawson, entre 1911 e 1914. “Viemos à Antárctida estudar como é que um dos maiores icebergues do mundo – conhecido como B09B – alterou o sistema, ao aprisionar gelo”, escreveu a equipa da expedição. “Seguimos as pisadas de Sir Douglas Mawson na baía da Commonwealth e agora somos nós que estamos aprisionados pelo gelo que rodeia o nosso navio.”

A bordo, o Ano Novo foi recebido em festa. Até cantaram uma canção feita de propósito para 2014, dizendo que “se divertiram a fazer ciência na Antárctida”, lamentando apenas “a maldita vergonha de ainda estarmos presos aqui”. Chris Turney diz ter brindado a chegada do Ano Novo com um copo de espumante australiano e que a canção ajudou a manter o espírito positivo no navio.

A bordo ainda permanecem os 22 tripulantes russos, que vão ficar à espera que o gelo derreta para saírem dali com o Akademik Shokalski. Segundo o correspondente da BBC online na expedição, a tripulação deverá ter de esperar várias semanas até o banco de gelo libertar o navio.

Também a tripulação de Shackleton teve de aguardar. Abandonou o Endurance preso no mar de Weddell – que dez meses depois, em Novembro de 1915, seria esmagado pelo gelo, afundando-se – e assentou arraiais no gelo flutuante. Até que em Abril 1916 Shackleton e a sua equipa partiram em três pequenos barcos, conseguindo chegar à ilha do Elefante – e daí, levando com ele cinco homens, foi procurar ajuda, atravessando 1300 quilómetros de oceano até à Geórgia do Sul, onde havia uma estação baleeira.

Final feliz: a restante equipa da expedição de Shackleton foi resgatada em Agosto de 1916, sem que ninguém morresse. Ontem, o resgate da expedição de Chris Turney, que chegará em meados deste mês à Tasmânia, mostrou como o espírito de cooperação entre países na Antárctida, em caso de aflição, se sobrepõe às reivindicações territoriais.
 
 
 
 
 
 

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