Greve de polícias gera onda de saques e violência na Argentina

Governo desvaloriza crise de segurança e garante que a normalidade foi restabelecida com o envio da Guarda Nacional para as províncias.

Uma semana de greve das forças policiais da Argentina, em protesto por melhores salários, levantou uma onda de saques e de violência por todo o país que já fez nove mortos e centenas de feridos. O Governo desvalorizou a crise e garantiu que, com o destacamento de dez mil efectivos da Guarda Nacional para as províncias, a normalidade foi restabelecida.

“Pusemos um fim aos conflitos nas províncias argentinas. A situação está resolvida”, declarou o chefe de gabinete da presidência, Jorge Capitanich, dizendo que, depois de uma “logística demorada”, as forças enviadas pelo Governo estavam em condições de assumir as operações de segurança nos locais onde se registaram incidentes por causa do desaparecimento da polícia da rua.

A onda de pilhagens, confrontos e destruição estendeu-se a pelo menos 17 das 23 províncias do país. Os conflitos começaram há uma semana em Córdoba, a segunda maior cidade argentina, quando os membros da polícia decidiram abandonar o patrulhamento, num braço-de-ferro com o governador por aumentos salariais.

Sem agentes na rua, instalou-se rapidamente a impunidade: pressionadas pela crise económica (e uma taxa de inflação na casa dos 25%), as populações começaram a saquear estabelecimentos comerciais e o caos instalou-se. Aos saques seguiu-se o vandalismo e a violência, com grupos de milícias populares a organizarem-se espontaneamente para defender os seus bairros da entrada de “estranhos”.

As cenas repetiram-se por quase todo o país. Noutras províncias, a polícia local entrou em greve, e as padarias, mercearias e centros comerciais imediatamente foram invadidos, saqueados e arrasados. Segundo uma estimativa da Confederação Argentina de Empresários, baseada em informações das câmaras de comércio regionais, foram registados prejuízos superiores a 65 milhões de euros em quase 2000 lojas assaltadas na última semana.

A Presidente do país, Cristina Fernandéz de Kirchner, que se manteve em silêncio durante os primeiros dias de violência, comentou brevemente o assunto à margem das celebrações do 30.º aniversário do fim da ditadura e a restauração do regime democrático na Argentina. A Presidente reservou palavras duras de crítica contra a “extorsão da sociedade por parte daqueles que usam armas para a defender e não atacar”.

Sempre sem directamente mencionar as forças policiais como as grandes responsáveis pela conflitualidade nas ruas, Kirchner assinalou a “planificação e execução, com precisão cirúrgica”, dos saques, notando a “coincidência” de estarem a acontecer num momento de comemoração nacional – como escrevia em editorial o Clarín, jornal fortemente crítico da Presidente, o seu discurso oblíquo alinhou pelo mesmo diapasão de outros governantes que atiraram para o ar a suspeita de que a oposição estaria a fomentar a rebelião social.

Capitanich foi um dos responsáveis do Governo que classificaram os promotores e apoiantes dos protestos da polícia como “traidores”, interessados em fomentar a instabilidade social com fins políticos. O chefe de gabinete recusou comparar a situação actual com os distúrbios de Dezembro de 2001, quando o colapso da economia nacional levou ao incumprimento das obrigações financeiras do Estado e à bancarrota do país.

Para a senadora de oposição Norma Morandini, do partido Frente Cívico para a província de Córdoba, os saques e a violência são um sintoma do “fracasso brutal” da política do Governo e da “degradação moral” do país. “Se um vizinho que compra o pão e leite todas as manhãs volta à padaria durante a noite para roubar, a culpa não é apenas dos polícias que estão em greve. A culpa está na sociedade e nos políticos”, considerou.

O governador da província de Buenos Aires, Daniel Scioli, evitou que a violência chegasse à capital com uma negociação em tempo-recorde de um aumento do salário das forças de segurança e a antecipação do pagamento do subsídio de Natal a todos os funcionários públicos. Outras províncias também acederam às reivindicações dos polícias e assinaram acordos para ajustar a folha de pagamentos e pôr fim às greves. No caso de Córdoba, por exemplo, o governador José Manuel de la Sota (um adversário político da Presidente) aceitou uma subida de 33% dos salários, que rondavam os 700 euros mensais.

Mas em vez de acalmar a situação, a cedência dos governadores poderá contribuir para o prolongamento da crise: vários analistas estimam que outros funcionários públicos com razões de queixa – dos médicos aos professores e às forças militares – sigam o exemplo da polícia e iniciem greves por melhores salários.

Capitanich não deixou de criticar a “irresponsabilidade fiscal” dos governadores que se comprometeram com pagamentos para os quais não têm tesouraria. Ainda assim, o Governo concedeu uma moratória de três meses para os pagamentos da dívida das províncias que se refinanciaram à custa do Governo federal em 2011.
 
 
 
 
 

Sugerir correcção
Comentar