Detroit vai mesmo pagar a dívida com Caravaggios e Van Goghs?

A cidade norte-americana que em meados de Julho declarou falência contratou a leiloeira Christie’s para avaliar parte da colecção do seu principal museu. Autoridades garantem que não planeiam vendê-la e que esta é apenas uma formalidade em cenário de bancarrota

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"Marta e Maria Madalena" (c. 1598), de Caravaggio, é uma das pinturas mais importantes do DIA DR

Avaliar lotes de terreno, pontes, aeroportos e colecções de museus a pensar nas contas por pagar faz hoje parte do dia-a-dia de Detroit, a cidade norte-americana que tem uma dívida que ultrapassa os 18 mil milhões de dólares (14 mil milhões de euros) e que a 19 de Julho pediu aos tribunais protecção contra os credores.

Kevyn Orr, o gestor externo nomeado para encontrar uma saída para esta cidade do Michigan, anunciou segunda-feira ao fim do dia que contratou a prestigiada leiloeira Christie’s para pôr um preço em parte da colecção do Detroit Institute of Arts (DIA), o seu principal museu e um dos mais importantes dos Estados Unidos. No seu acervo há obras de mestres como Matisse, Caravaggio, Tintoretto, Van Gogh e Rembrandt e a simples possibilidade de ver algumas destas pinturas vendidas levantara há já três semanas um verdadeiro debate nacional.

Embora não haja ainda qualquer indicação de que a liquidação da colecção, na totalidade ou em parte, seja inevitável, a entrada da Christie’s no processo de avaliação dos bens da cidade-berço da indústria-automóvel norte-americana aumentou os receios de que o DIA esteja completamente vulnerável à pressão dos credores. Foram eles, aliás, que exigiram a avaliação do acervo, admitiu Kevyn Orr em comunicado citado pelo jornal Detroit News.  

“A cidade tem de saber o valor corrente dos seus bens, incluindo a colecção de arte do DIA”, diz o documento, o mesmo em que o gestor de emergência assegura que não há qualquer intenção de a vender: “Nunca houve, nem há agora, nenhum plano para vender arte. Esta avaliação, assim como a de outros bens da cidade, faz parte do processo de restruturação. É um passo que a cidade tem de dar para chegar a soluções com os seus credores e garantir um futuro viável e forte para Detroit e para os seus habitantes.”

As palavras de Orr não foram suficientemente tranquilizadoras, sobretudo para os que defendem que o DIA deve ficar de fora de qualquer negociação da dívida, uma posição que não agrada a muitos dos residentes. Grande parte dos funcionários públicos, que se arrisca a ver uma parcela dos seus benefícios reduzidos, está entre os que querem ver o acervo do museu contribuir para o pagamento da factura.

A leiloeira com sede em Nova Iorque, que já em Junho mandara representantes em visita ao museu, publicou no início desta semana na sua página oficial um comunicado em que diz ter sido contratada para avaliar a colecção do DIA. A avaliação custará 200 mil dólares (151 mil euros) e deverá estar pronta em Outubro, segundo o diário Detroit Free Press.

“Confirmamos que a Christie’s Appraisals Inc. [braço da empresa que se ocupa das avaliações] foi solicitada e chegou a acordo para avaliar parte da colecção do Detroit Institute of Art”, lê-se no site, num texto de três parágrafos em que a leiloeira garante ainda que vai procurar aconselhar a cidade em como fazer dinheiro com a colecção sem que esta tenha de ser alienada. “Queremos continuar a concentrar os nossos esforços em ser uma força positiva [na defesa] dos interesses da cidade e da sua comunidade artística, o que inclui trabalhar com os profissionais do DIA e com a cidade para encontrar alternativas à venda que lhe darão as receitas de que tanto precisa.”

A leiloeira só avaliará as obras que pertencem claramente a Detroit, ainda segundo o Detroit Free Press, deixando de lado as que estão abrangidas por algum tipo de doação e cujos laços com o museu podem levantar restrições legais a uma possível venda.

Os responsáveis do DIA, para quem a chegada da Christie’s não é só perturbadora, mas também desnecessária, discordam desta separação na hora de decidir que peças serão objecto de análise por parte da leiloeira. Num texto publicado na página de Facebook do museu garantem que a instituição vai “cooperar totalmente” com o processo mas dizem continuar a acreditar que não há qualquer razão para avaliar a colecção, já que o procurador-geral deixou claro que toda a arte está ao cuidado de um fundo que envolve doações e que, por isso, não pode ser vendida ao abrigo do processo de bancarrota.

Diz o Detroit News que as obras de arte do DIA são o bem que levanta mais polémica em todo o processo, e que antes da chegada da Christie’s estariam já avaliadas em qualquer coisa como dois mil milhões de dólares (150 mil milhões de euros).

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