Eficácia dos testes de rastreio da trissomia 21 posta em causa

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Os cientistas britânicos dizem que análises para escolher as grávidas que devem fazer amniocentese são pouco fiáveis, mas investigador português realça incoerências do estudo DR

Um artigo publicado ontem no "British Medical Journal" põe em causa a eficácia de novos testes de detecção da síndrome de Down que reduzem a necessidade de amniocenteses. O teste, disponível em Portugal desde o ano passado, consiste na procura no sangue da mãe de proteínas e hormonas associadas à trissomia 21 (ou mongoloidismo, como também é conhecida esta doença genética) e numa ecografia ao feto. O objectivo é avaliar o risco de síndrome de Down e seleccionar as mulheres que devem confirmá-lo com uma amniocentese. Um especialista português ouvido pelo PÚBLICO, no entanto, diz que o estudo tem problemas metodológicos.

É a avaliação do risco de mongoloidismo no bebé através de análises de sangue e ecografias que o estudo põe em causa. Diana Wellesley, Tracy Boyle, John Barber e David Howe, quatro médicos britânicos, identificaram todos os casos de síndrome de Down ocorridos entre 1 de Janeiro de 1994 e 31 de Dezembro de 1999 nos vários hospitais do distrito inglês de Wessex. Nasceram 155.501 bebés neste período e 335 tinham a doença. Segundo os autores, os testes de rastreio detectaram, no melhor dos casos, apenas 57 por cento dos bebés doentes, o que os leva a concluir que é falsa a "presunção" de que são mais eficazes do que o método tradicional de detecção, que tem por base a idade da mãe.

Tradicionalmente, as mulheres com mais de 35 anos são consideradas um grupo de risco. Quando engravidam, são submetidas a um exame invasivo de detecção da trissomia 21 no bebé - a amniocentese, que é a colheita de uma amostra do líquido amniótico que envolve o feto, feita com uma agulha fina, através da parede abdominal. O líquido amniótico contém células do feto, sobretudo da pele, o que permite detectar eventuais anomalias nos cromossomas da criança.

Nos anos 90, desenvolveu-se outra forma de rastreio da doença, através de análises sanguíneas e ecografias, que não usa a idade da mãe como factor de exclusão. Se o risco de doença se revelar elevado, poderá ser confirmado depois com uma amniocentese. A ideia é seleccionar as grávidas que devem submeter-se a um exame invasivo.

Apesar de ser a única maneira segura de se saber se um bebé tem trissomia 21, a amniocentese comporta riscos. Uma em cada 200 mulheres aborta ao submeter-se ao exame. "Muitas mulheres com mais de 40 anos, que tiveram problemas para engravidar, preferem evitar a amniocentese para não arriscar perder o bebé; e o rastreio prévio reduz exactamente a taxa de amniocenteses", explica o médico Sérgio Castedo, director do Centro de Genética Médica e Diagnóstico Pré-Natal, no Porto.

Sérgio Castedo assegura que as conclusões da equipa britânica vão no sentido contrário de todos os estudos feitos até ao momento. "Não existe nenhum método pior do que o da idade", diz o médico português, porque o grande problema é que a maioria dos bebés com síndrome de Down nasce exactamente de mulheres com menos de 35 anos. Os riscos de problemas genéticos aumentam com a idade das mães, mas são as mulheres mais jovens que têm mais filhos. É neste grupo que nascem três quartos dos bebés com trissomia 21.

O estudo ontem publicado revela que, em média, os novos testes detectaram apenas 43 por cento dos casos de mongoloidismo nos partos de mães com menos de 35 anos. Para Sérgio Castedo, apesar de parecer um número baixo, é importante. "Antes, estas mulheres não tinham qualquer alternativa, restava-lhes esperar que tudo estivesse bem."

Aliás, Sérgio Castedo destaca algumas falhas do estudo e que podem ser a causa de números, em seu entender, tão surpreendentes. Em primeiro lugar, não é especificada a composição etária do grupo de mulheres analisadas. Quando se pretende avaliar a eficácia de um método baseado na idade, este dado é importante.

Segundo o médico, outros estudos realizados entre uma população do mesmo grupo etário demonstram que, através de um rastreio prévio, a taxa de detecção da doença foi de 81 por cento, com sete por cento de falsos positivos. Sem o rastreio prévio, usando apenas o método com base na idade, a taxa de detecção baixou aos 43 por cento e os falsos positivos ascenderam aos 14,4 por cento.

Sérgio Castedo assinala ainda que no distrito de Wessex, onde foi feito o estudo, os diversos estabelecimentos de saúde baseiam-se em testes com números diferentes de marcadores bioquímicos (hormonas e proteínas) para elaborar taxas de risco. Os rastreios prévios podem analisar entre dois e quatro marcadores mas, em nenhum momento, os autores britânicos esclarecem que tipo de testes estão em causa ou se, simplesmente, não fizeram as devidas distinções.

Finalmente, o médico chama a atenção para o facto de os autores identificarem a taxa de detecção dos testes com a taxa de diagnóstico pré-natal da doença, quando há mulheres que recusam fazer uma amniocentese apesar de o resultado do rastreio prévio o aconselhar. Neste caso, os números dependeriam mais das decisões pessoais das mães do que da eficácia dos testes.

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