Governo rua!

Com o discurso que decidiu fazer na sessão solene do 25 de Abril na Assembleia da República, o Presidente da República deu um passo adiante na sua cumplicidade e apoio ao rumo de desastre nacional que o Governo e as troikas querem impor ao país.

Já sabíamos que Cavaco Silva é parte do problema do país. Não só pelo seu passado – dez anos como primeiro-ministro, sete como Presidente da República, além do tempo como ministro das Finanças, em todos os cargos com uma acção destruidora das condições de vida e de desenvolvimento de Portugal e dos portugueses. Mas a partir do discurso do 25 de Abril, Cavaco demitiu-se das suas responsabilidades como Presidente da República: cumprir e fazer cumprir a Constituição. Assumiu-se ostensivamente como apoiante do projecto de entrega dos interesses nacionais, de exploração e empobrecimento do povo português contido no memorando assinado pelas troikas.

Cavaco assumiu-se como primeiro defensor de um Governo socialmente isolado, politicamente derrotado, ilegítimo. Cada afirmação do Governo sobre as “vitórias” que tem (o “regresso aos mercados”, o alargamento das “maturidades”, a “retoma” sucessivamente adiada) é desmentida por uma realidade brutal e por dados de origem insuspeita, da Comissão Europeia ao INE. Um milhão e meio de desempregados, 250 mil portugueses forçados a emigrar, 9,2% de redução média dos salários nos últimos dois anos, uma dívida que já atinge mais de 123% do PIB. Por mais comentadores e “especialistas” que o Governo arregimente para dizerem o oposto, o que a realidade mostra é o brutal falhanço desta política.

Repetimos o que milhões de portugueses dizem em voz cada vez mais alta: esta política não serve, este caminho é errado, este Governo está a mais no país.

No meio disto, Cavaco convocou o Conselho de Estado para o próximo dia 20. A ordem de trabalhos parece saída de um filme de ficção: “Perspectivas da economia portuguesa no pós-troika, no quadro de uma União Económica e Monetária efectiva e aprofundada”. A não ser que o sítio da Presidência da República na internet esteja enganado, os conselheiros de Estado aconselharão o Presidente sobre como estarão o país, a União Europeia e o euro depois da vigência do pacto de agressão das troikas, algures em 2014. Nem uma palavra sobre a realidade, hoje, concreta, da vida dos trabalhadores, do tecido económico, dos serviços públicos. Nem uma palavra crítica sobre o caminho trilhado e a obra de destruição que estão a praticar no país.

Os objectivos são óbvios: fazer esquecer o que se vive hoje e as medidas que estão anunciadas de mais cortes, mais despedimentos, mais austeridade, mais pobreza. Falar de um futuro que há-de vir como se fosse inevitável termos um país ainda mais pobre e ainda mais dependente daqui a um ano.

Pensarão decerto que o povo se deixa enganar com a cantilena das inevitabilidades e dos sacrifícios que um dia hão-de endireitar o país. Mas um país mais justo não se constrói em cima da injustiça e da desigualdade. Um país mais desenvolvido não se constrói com desemprego, baixos salários e sem aparelho produtivo. Um país democrático não se constrói sem Serviço Nacional de Saúde, sem escola pública, sem segurança social.

Será isso mesmo que milhares e milhares de portugueses irão a Belém dizer ao Presidente da República no próximo dia 25. A manifestação que a CGTP-IN convocou corresponde ao mais genuíno sentimento dos portugueses e é de enorme oportunidade: contra esta política, contra mais austeridade, pela demissão do Governo e a convocação de eleições. Pelo futuro de Portugal, Governo rua!

Margarida Botelho é membro da Comissão Política do Comité Central do PCP

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