Pais contestam balanço positivo da reestruturação do Colégio Militar

Ministério da Defesa disse que número de candidatos cresceu depois do anúncio da reforma. Associações de pais falam em “manipulação grosseira” da realidade.

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Até agora só os rapazes frequentavam o Colégio Militar Daniel Rocha

As associações de pais do Instituto de Odivelas e do Colégio Militar negam que a reforma dos estabelecimentos de ensino militar esteja a ter boa aceitação por parte das famílias. Pelo contrário, contestam-na e ameaçam retirar os filhos das instituições se a reestruturação anunciada se concretizar. Na última semana foi anunciado que o número de candidaturas ao Colégio Militar superou o registado no ano passado e que esta subida surge depois da anunciada reestruturação. Os pais defendem que os números “são uma falácia e uma manipulação grosseira da realidade”.

A posição contra a reforma dos estabelecimentos de ensino militar, incluindo do Colégio Militar e do Instituto de Odivelas, tem vindo a ser manifestada pelas associações de pais desde a publicação, em Setembro de 2012, de um despacho do Ministério da Defesa.

Em Março deste ano, o secretário de Estado, Paulo Braga Lino, anunciou que, no âmbito da reforma, o Instituto de Odivelas irá encerrar entre 2014 e 2015. Disse ainda que o Colégio Militar, exclusivamente masculino, iria ser transformado numa escola mista para poder receber as alunas do Instituto de Odivelas e que aos alunos que se candidatarem será dada a possibilidade de optarem pelo regime de internato ou externato. Braga Lino indicou ainda que ficou definido que, já no próximo ano lectivo, arrancará o 1.º ciclo no Colégio Militar.

Num despacho publicado em Abril, o ministro José Pedro Aguiar-Branco sublinha que, com base no estudo sobre os estabelecimentos militares de ensino (EMES) concluiu-se  que há "carências de base na estratégia e acção dos EMES”. O ministro refere-se nesse ponto a “excesso de recursos humanos, défice de alunos, inexistência de uma estratégia de comunicação e ausência de uma acção integrada em termos de gestão dos mesmos”.

Considerando ainda a necessidade de dar “sequência e sustentação ao processo de reestruturação que está em curso”, a tutela avançou com orientações para o processo de matrículas no ano lectivo 2013/2014 no Colégio Militar e no Instituto de Odivelas.

Depois deste anúncio, o Ministério da Defesa, citado pela Lusa no dia 9 de Maio, indicou que houve um aumento do número de candidaturas ao Colégio Militar. Segundo os números disponíveis pela tutela, desde o início deste mês tinham já sido realizadas 153 candidaturas ao Colégio Militar, mais 13 que no ano lectivo passado, sendo que 122 dos candidatos são rapazes e 31 raparigas. A tutela admitiu que o número de candidaturas “possa aumentar ainda mais, até ao próximo mês de Setembro, data em que encerra o período para novas admissões”.

O Ministério da Defesa argumentou, na altura, que “este é um resultado animador e que reforça a ideia de que o processo de reestruturação que está em curso, e que apesar das críticas públicas que tem sofrido, está a ter aceitação por parte das famílias". 

A Associação de Pais e Encarregados de Educação das Alunas do Instituto de Odivelas nega que a reestruturação anunciada pelo Governo esteja "a ter aceitação por parte das famílias” e contesta os números avançados pelo ministério, que considera “uma falácia e uma manipulação grosseira da realidade”.

Ao PÚBLICO, o Ministério da Defesa disse nesta terça-feira compreender a preocupação da associação de pais. Quanto aos números a, a tutela sublinha que "não são do ministério”, tratam-se de números do Exército, “a única entidade oficial, responsável pela direcção dos estabelecimentos militares de ensino”.

Críticas ao Ministério da Defesa
A associação diz num comunicado enviado ao PÚBLICO que encarregados de educação do Instituto de Odivelas e do Colégio Militar já manifestaram discordância com o plano do ministério através de cartas dirigidas à comissão técnica de acompanhamento criada para “monitorizar” e “garantir a execução” da reestruturação do ensino militar, como foi apresentada pelo Governo.

Os números avançados pelo ministério de Aguiar-Branco foram alvo de “manipulação grosseira”, acusa associação, e “são fruto do isolamento a que o senhor ministro está votado com a decisão que tomou”.

A associação fala sobre o número de candidaturas defendido pelo ministério. Com abertura, pela primeira vez, de candidaturas ao 1.º ciclo no Colégio Militar, terá havido, até ao momento, 13 candidatos, um número que considera pouco significativo.

Segundo a associação, 11 meninas inscreveram-se no 1.º ciclo, em regime externo, já que o regime de internato não está disponível, 20 outras candidataram-se ao 5.º ano e uma ao 7º. A associação sublinha que todas as raparigas que concorreram ao “5.º estão a concorrer ao Colégio Militar por terem sido impedidas de submeter a candidatura ao Instituto de Odivelas”.

O despacho de Abril do ministério indicava que o 2.º ciclo não terá nenhuma turma de 5.º ano. A associação conta que as alunas concorreram “na esperança de que o modelo seja revertido” e que o “instituto as possa receber”. “Caso contrário, vão optar por outras escolas, uma vez que não pretendem ficar no regime misto no Colégio Militar”, adverte a associação. Apenas a candidata ao 7.º ano concorreu directamente ao Colégio Militar.

Segundo a Associação de Pais e Encarregados de Educação das Alunas do Instituto de Odivelas, até ao início de Maio o estabelecimento de ensino tinha recebido 132 candidaturas. No ano passado, na mesma altura, tinham sido 99.

"Não estamos disponíveis para um ensino indiferenciado"
Paulo Cardoso do Amaral, presidente da Associação de Pais do Colégio Militar, diz ao PÚBLICO que subscreve de “forma solidária e na totalidade” a posição assumida pela estrutura homóloga do Instituto de Odivelas. “Se vão transformar o Colégio Militar numa escola igual a todas as outras, pomos os nossos filhos numa dessas escolas que são mais baratas”, admite Paulo Amaral, que sublinha que a mensalidade nestas instituições ronda os 700 euros.

O presidente da Associação de Pais do Colégio Militar diz ser “inaceitável o fim de um projecto educativo com mais de 200 anos”. “Para integrar um sistema indeferenciado não estamos disponíveis”, reforça.

António Reffóios, presidente da Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar, lamenta, por sua vez, que o ministério esteja a utilizar o número de candidatos como se fosse a confirmação de que a decisão da tutela é correcta. “É no mínimo discutível”, defende. “O que sentimos é uma tremenda preocupação de que mudanças com estas características estejam a ser feitas de uma forma tão atabalhoada”.

António Reffóios diz que “há muita coisa por explicar” na reforma decidida pelo Governo e que continuam por ser esclarecidas as “reais motivações do ministro” ao decidir fechar o Instituto de Odivelas e integrá-lo no Colégio Militar. 

Uma das questões que têm sido criticadas é a forma como irá decorrer a transição das alunas do Instituto de Odivelas para o Colégio Militar. O ministério prevê que as do regime de internato e de qualquer nível de ensino possam ter aulas no Colégio Militar e regressar todos os dias ao Instituto de Odivelas. Para tal, a tutela indica que deverá ser assegurado um sistema de transportes e a compatibilização de horários. As deslocações diárias entre as duas instituições e a gestão de horário que irão ser pedidas às alunas é outro dos pontos que não receberam apoio por parte dos encarregados de educação. 

Os pais e encarregados de educação das duas instituições continuam a acreditar que o despacho publicado em Setembro será revogado a tempo de aqueles estabelecimentos de ensino militar “seguirem o seu curso normal para continuarem, em estabilidade, a servirem o país com um ensino de excelência”.

Por sua vez, o Ministério da Defesa Nacional reafirma a “disponibilidade para continuar a trabalhar em conjunto com todos os interessados, de forma a valorizar a reestruturação em curso”.

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