Flores, uma factura e uma vassoura para José Sócrates

Eram poucos – demasiado poucos, dizia-se por ali – os que nesta quarta-feira à noite acederam aos apelos que se fizeram nas redes sociais para concentrações à porta da RTP, tanto de contestação como de apoio a José Sócrates. “As 15 ou 20 pessoas que aqui estão representam as 10 milhões que foram roubadas e que não quiseram vir. A dimensão [do protesto] é nula. As pessoas só têm aquilo que merecem e pelo que se esforçam”, defendia Francisco Machado.

De vassoura em punho e acompanhada por marido e filho, Ana Paula Sousa queria “varrer a porcaria” ao portão da RTP. A vassoura, estreada na manifestação de 2 de Março, vai passar a ser um símbolo da sua contestação e revolta. “É inaceitável que quem é responsável por crimes de lesa-pátria seja guardado pela polícia quando devia ser preso por ela”, comentava Ana Paula, olhando para a dúzia de agentes que assegurava que ninguém passava no largo passeio junto ao portão sem se identificar.

A vassoura voltou para casa, mas para José Sócrates foram deixadas na portaria da RTP flores – rosas e gerberas amarelas, tulipas brancas – e uma enorme factura de 78 mil milhões de euros, o valor do resgate da troika. As primeiras foram de um grupo de uma vintena de apoiantes, sobretudo mulheres. A última foi entregue pela JSD devido a despesas assumidas pelo ex-primeiro-ministro com a “dívida pública, défices, PPP, a Parque Escolar, auto-estradas onde não passam carros e aeroportos onde não aterram aviões”. A factura era enorme em tamanho e valor para que pese a Sócrates na mão e na consciência por ter deixado “uma geração hipotecada”.

Isabel Olaio e Susana Lourenço deixaram flores e vieram “dar apoio a um amigo [que não conhecem pessoalmente] que marcou o país positivamente”. Amigas, estão sempre a terminar as ideias uma da outra. A primeira veio de Mangualde de propósito. Susana reconhece que o ex-primeiro-ministro “cometeu erros, como acontece com todos nós, no trabalho”, Isabel acrescenta que “não se pode culpá-lo de tudo”. Susana espera que ele “consiga desmistificar aquele mostro que as pessoas fazem dele”, Isabel considera-o “corajoso vir aqui depois do que lhe fizeram”.

Sem papas na língua, José Oliveira não diz o nome do ex-líder socialista. Refere-se sempre à “criatura”, para quem tinha umas perguntas sobre as rendas da energia e das comunicações. Ricardo Silva gostaria de o questionar sobre como pensa limpar a imagem depois de pegar no país com uma dívida pública de 61% e o deixar com 108%. “Devia estar a responder por este legado num tribunal e não na RTP”, defende. Tal como Ricardo, a mulher, Paula Félix, diz que tem votado à esquerda mas hoje quem está no Governo é um “mal menor” comparado com o que Sócrates fez. Paula concorda que seja entrevistado, até porque “deve muitas explicações ao país”, porém, tê-lo como comentador é como “ter com incendiário a comentar o trabalho dos bombeiros”.

Nem apoiantes nem contestatários viram José Sócrates. O entrevistado mais polémico do ano entrara cedo, com mais de duas horas de antecedência, para evitar recepções menos prazentosas. Eram 18h50 quando José Sócrates chegou de carro ao portão principal. Antes de entrar no edifício envidraçado ainda olhou de soslaio para trás. Tudo calmo.

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